21 – 6 – JÚLIO DINIZ ROXO DA MOTTA

6       – JULIO DINIZ ROXO DA MOTTA (31/10/1915 + 1948)  trabalhou na B R Rand, Rio de Janeiro, casado com EUNICE GUSMÃO (1916)  Enfermeira diplomada pela Escola Superior de Enfermagem Ana Nery

Filhos do casal :

6.1 . Julia Maria Gusmão da Motta ( 6/11/1942 nascida no Rio de Janeiro , mora em Fortaleza , Ceará . Formada em Química pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro , professora aposentada . Casou-se com Sérgio Rômulo da Silva Pantoja , ( 6 /03/1939 – 23/01/2007 ) maranhense , químico da Petrobrás e tiveram 2 filhos .

6.1.1  Marcos da Motta Pantoja ( 29/07/1972 ) natural de Aracaju / Sergipe ,  Engenheiro Civil  , casou-se em 29/07/2000  com Karine Almeida Machado Pantoja  ( 29/07/1972 –  são quase gêmeos ! kkkk  ) –  Ele tem 4 filhos , sendo 2 de um relacionamento anterior ao casamento

6.1.1.1 Déborah Cristina dos Santos Pantoja ( 12/08/1993  cearense de Fortaleza , estudante  , filha de Dulcenilda Ribeiro dos Santos.

6.1.1,. Daniel dos Santos Pantoja ( 12/08/1993  – são gêmeos ) cearense  de Fortaleza , estudante . filho de Dulcenilda Ribeiro dos Santos

6.1.1.3 Sarah Machado Pantoja  ( 6/05/2004 ) cearense de Fortaleza , estudante

6.1.14 Thaís Machado Pantoja ( 6/05/2004 – gêmeas ) , cearense de Fortaleza , estudante

6.1.2 Márcia da Motta Pantoja ( 24/01/1975 ) natural de Aracaju , Sergipe , solteira ,  secretária executiva de uma empresa .

6.2 . Carlos Augusto Gusmão da Motta   ( 6/04/1946) , solteiro , natural do Rio de Janeiro , mora atualmente em Fortaleza / Ceará , funcionário aposentado .

Não conheci o Tio Diniz, infelizmente. Sei que ele faleceu muito jovem, em Belo Horizonte, segundo o relato da filha Júlia Maria, ele faleceu na casa do Tio Paulo. Ouvi dizer que ele trabalhava no Rio de Janeiro, em uma Casa Rand, que só a Tia e os primos poderão informar mais.

Sobre a Tia Eunice, temos muito pra contar! É uma pessoa extraordinária! Está com 101 anos, completamente lúcida, cheia de energia.

Ela vive em Fortaleza com os filhos, Júlia e Carlinhos. Há alguns anos estive lá na casa delas e Tia Eunice me contou muitas histórias!

Ela foi contemporânea da Tia Maud na Escola de Enfermagem Ana Neri e, através da tia Maud, conheceu o irmão Diniz.

Tia Eunice estava sempre em Juiz de Fora. Através dela eu conheci o mar e televisão! Uma vez ela levou a mim e ao Luis Carlos do Tia Lia para passarmos uma semana em sua casa. Os filhos, Júlia e Carlos estavam na Bahia, em casa dos parentes de Tia Eunice.

Saímos com ela à noite e fomos até a Urca, não sei o porquê desta escolha. Lá ela parou o carro na Praia Vermelha. Tirei as sandálias e pisei no mar!

Tínhamos eu e Luis 12 anos. Pegávamos uma bicicleta dos primos e íamos para uma praça, perto da casa dela, que era na Tijuca, acho que era a Saens Pena. Ensinei o Luis Carlos a andar de bicicleta, eu já sabia!

A televisão também era uma novidade. Me lembro que pegava muito mal, mas de toda forma, ficamos admirados demais.

Uma atitude da Tia Eunice que eu não me esqueço: Uma vez que ela foi a Juiz de Fora disse que não queria dirigir mais e que iria mandar o carro dela pra Júlia, que morava em outra cidade, acho que Aracaju. Disse que estava difícil dirigir no Rio. Achei uma atitude tão sensata!

Anos depois eu me encontrei com ela no Rio, na festa de 15 anos da Beatriz, filha da Goretti. Ficamos juntas na mesma mesa e conversamos à beça! Ela é muito espirituosa, um encanto!

Carlinhos também ia sempre a Juiz de Fora, na casa da Tia Ena, sempre me encontrava com ele. Já a Júlia, nunca convivemos, infelizmente.

pessoinha

Participação do nascimento do tio Diniz: o texto muito interessante “Participam Julia Roxo da Motta e Luiz da Motta que o Brasil e seus amigos têm mais um servidor na pessoinha de seu filho Julio Diniz nascido em São Geraldo a 31 de janeiro de 1913”

escola

Recibo de Escola de Diniz, Natercia e Ena, esta Natércia não sei quem é

Parece ser meu pai ... mas ninguém conseguiu identificar o lugar
Parece ser meu pai … mas ninguém conseguiu identificar o lugar

Tio Neneo e tio Diniz na praça de São Geraldo

Julio Diniz Roxo da Motta ( de branco )
Julio Diniz Roxo da Motta ( de branco )
Julio Diniz Roxo da Motta  ( 1934 )
Julio Diniz Roxo da Motta ( 1934 )
Julio Diniz Roxo da Motta ( 12-agosto-1933)
Julio Diniz Roxo da Motta ( 12-agosto-1933)
Julio Diniz Roxo da Motta ( 31-janeiro-1935 - aniversário de 20 anos )
Julio Diniz Roxo da Motta ( 31-janeiro-1935 – aniversário de 20 anos )
Julio Diniz Roxo da Motta fazendo o Tiro de Guerra ( 1934-1935)
Julio Diniz Roxo da Motta fazendo o Tiro de Guerra ( 1934-1935)

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Maud, Ena e Diniz

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3 Rusoli Russo, 1 Álvaro Dias de Carvalho, 5 Carlos Berendonck, 4 Diniz

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Maud Diniz e Ena

Eunice e Diniz noivos
Eunice e Diniz noivos
Março de 1940 ... Julio Diniz em São Geraldo , no morro do 80
Março de 1940 … Julio Diniz em São Geraldo , no morro do 80
Ena e Eunice no Caeté
Ena e Eunice no Caeté
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Julio Diniz (32 anos ) e Julia Maria ( 3 anos ) … poucos dias antes dele falecer em 1947
Eunice ( 30-abril-1942)
Eunice ( 30-abril-1942)
Eunice ( Enfermeira formada pela Escola Anna Nery )
Eunice ( Enfermeira formada pela Escola Anna Nery )

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Júlia Maria

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Júlia e Carlinhos

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Julia e Rigoleto no Caeté

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Júlia e e Carlinhos

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Júlia

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Tia Laura , minha mãe e tia Lia com  a geração que estava começando por nós
Tia Laura , minha mãe e tia Lia com a geração que estava começando por nós No coreto da pracinha em São Geraldo. Da esquerda para a direita, mamãe Laura e Luis Augusto, uma babá, Tia Eunice e Júlia Maria, lourinha é Júlia, minha irmã, eu (Regina) Tia Lia Luis Carlos e Júlia da Tia Lia.

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Na casa da tia Lia, em São Geraldo:Esquerda Tia Lia com a Júlia no colo e Luis Carlos, tia Eunice com Carlinhos no colo e Júlia Maria, Mamãe com Júlia no colo e eu (Regina)

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Eunice e Julia

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Casa do Diniz em Jacarepaguá RJ

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Júlia

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Nair irmã de Eunice e Júlia

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Júlia e Carlos com Judite ( uma moça que a vovó criou) na casa de Barão de São Marcelino em Juiz de Fora

Julia e Carlinhos

Nossa geração começando ... em Juiz de Fora / MG
Nossa geração começando … em Juiz de Fora / MG

Casa da Tia Lia, chupando cana, esta casa ainda existe, do mesmo jeito.

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Foto tirada em Juiz de Fora , maio de 1977 – O escondidinho na porta é Marcos , meu filho e Márcia está no meu colo . Vemos ainda tia Lia e Tia Ena

Maio de 1977 em Juiz de Fora, em frente a casa da Tia Lia. O escondidinho é o é o Marcos, filho da Júlia Maria, que está na frente com a filha Márcia ao colo. De blusa roxa, Lúcia da tia Ena, Ao lado Tia Lia, João Lúcio com uma menina que não sei quem é, Tia Ena e Lininho da Tia Ena com a mão no rosto.

Eunice e Regina ( festa de 15 anos da Beatriz)
Eunice e Regina ( festa de 15 anos da Beatriz)

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CARTA DA TIA DEOLINDA CARDOSO (VOVÓ TITIA)

Carta pelo nascimento do Carlinhos (Carlos Augusto)

Publico só a primeira página, porque a leitura é muito difícil.

Caros Eunice e Dinis

Então um homenzinho!! Parabéns e abraços extensivos a Carminha e Nair que como mães do coração partilham o regozijo.

Foi uma festa a chegada do telegrama que boa ideia tem o garoto de vir no dia 6! Quase declamamos o Hyno Nacional para a recepção ao novo brasileirinho que pelos desejos da Tia avó – a vovó outra – venha a ser um grande brasileiro.

Pensei que ia se chamar Diniz! Então Carlos Augusto? Um bello nome e pomposo! Pensando que era Dinis fiquei matutando Don (…) Don Diniz que seria lembrar o grande e sábio rei portuguez que não só sabidamente soube guerrear a lusa gente, como cantar maviosas e (…) poemas que ainda são lembrados em nossos rudes dias de hoje.

Depois pensei e comecei a fazer a comparação – Por Sr Don Diniz Gusmão Roxo da Motta agora Sr. Carlos Augusto Roxo da Motta e achei (…) que Carlos Augusto fica mesmo mais eufônico mais atualidade.

E dahi vejamos: É esperado 6 de abril do corrente ano  de 1963, na Cidade Internacional para a solução de magnos problemas científicos o jovem sábio Carlos Augusto que apesar dos seus poucos anos muito tem feito pela sua Pátria etc.etc….

Muito bem, Carlos Augusto que eu peço a querida Julinha que Deus igualmente a faça muito feliz para festejar e dar as boas vindas pela Vovó Outra e a vocês um afetuoso abraço da velha Tia Deolinda.

Juiz de Fora/8/11/46

(estou usando a grafia dela e algumas palavras que não entendi marquei (…). às vezes ela usa Dinis outras vezes Diniz.

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Eunice curtindo os bisnetos

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Eunice e Júlia

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Márcia e Eunice

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Marcos, filho da Júlia e a neta Débora

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Tia Eunice, foto recente, aniversário de 101 anos

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Filhos Júlia Maria e Carlos Augusto

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Netos: Karine, Márcia e Marcos

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Bisnetos Déborah Cristina , Sarah , Thaís e Daniel

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Eunice e Carlinhos em Juiz de Fora, não sei a data. Direita Carolina, Mariana Pedro, Antonio Carlos, Eu, Júlia e Marcelo

 

CARTA DO PAPAI SOBRE O FALECIMENTO DO IRMÃO DINIZ

Esta carta está em um caderno onde ele escrevia cartas para a mamãe, em 1947

Vou transcrever na ortografia da época, que ele usava.

TRANSCRIÇÃO:

São Geraldo, 13 de outubro de 1947, 8 e 30 da noite

Laura,

Ora veja você minha querida, o quanto a nossa vida é imprevisível. Sshi de casa em principios de setembro com intenção de comprar gado e fazer plantios VOL $ em principios de outubro depois de enterrar o Diniz, sofrendo inesperadamente um golpe que me soou como uma verdadeira chamada para Deus. Não comprehendo como ninguem pode comprhender os designios de Deus tirando do mundo o Diniz justamente agora que sua vida material estava num caminho de progresso e bem estar.

Mas a este respeito hoje mais que nunca soa-me aos ouvidos com uma clareza impressionantemente verdadeira a sua afirmação e seu pedido:

“Não chorem por mim pois eu não sofro por morrer. Sofro por vocês que ficam aí sofrendo na terra.Quanto a mim sinto-me muito feliz em dizer seja feita a vontade de Deus.”

Senti-me pequenino miseravelmente fraco ante a grandeza serena com que o Diniz disse estas palavras. Principalmente porque elle as disse já sentindo que sua hora chegava. E sua humildade pedindo para ser enterrado numa cova comum, sem ornamento que simples guarda de uma cruz. E nem uma palavra de revolta ou de queixa. Sofrendo dores sofrendo da doença, sofrendo a acção dos remédios, ainda era elle que nos consolava e que nos dava a maior das lições de resignação, de humildade e caridade. Parece-me que estou aonda a vel-o com o rosto inchado a olhar as mãos que já começavam a ficar dormentes a palpar o queixo que já começava a ficar sem jogo. A chupar devagarinho para não ferir a língua já ferida, um algodão molhado em água com assucar. E virava para nós em olhar agradecido dizendo: como está boa esta água.

Diante de factos como estes tudo o mais desaparece. Pois ao contemplal-os vemos em sua clara clareza a união do homem a Deus. Vemos que realmente os factos de nossa vida materiasl não tem as importâncias que nós lhes atribuimos.

São Geraldo 14 de outrubro de 1947

Que resta então de importância na vida? Apenas o bem e a vontade de ser bom. Pois de toda ascenção material do Diniz que restou em sua hora decisiva? Apenas a sua humilde resignação em todos os passos da vida. Desde a ocasião, em que pequenino e inculto vagueando de pés descalços partiu para Entre Rios a trabalhar num meio extranho, a tolerar a (cjunema Não entendi a palavra) de um patrão atrazado, a tudo sofrer pelo desejo de ser util. Do seu desejo de vida, da sua saudade e do seu amor a liberdade e a vida tenho sempre presente ante os olhos a sua figurinha magra e palida de adolescente subnutrido a trazer numa caixinha as sementes dos frutos que lhe mandavamos. E o seu gesto meio envergonhado meio esperançoso com que me entregava estas sementes pedindo-me para plantal-as. Era neste gesto o seu refugio contra a brutalidade do meio interesseiro e egoista. Tudo se condensava em não deixar morrer aquelas sementes dos frutos que lhe haviam dado prazer. Elle desnutrido, combalido, não tendo na escala social outros seus a quem proteger, guardava todo seu amor, todo seu desejo de ser bom na proteção daquelas sementes, aquelas vidas amorphas que muito sentia perder o tempo em jogal-as no lixo. E elle as guardava para que não morressem.

E mais tarde desenvolvendo-se materialmente, subindo na escala social, ainda guardava no fundo de sua sensibilidade aquelle mesmo amor, aquella mesma vontade de ser bom. E no entanto, agora que suas possibilidades cresciam e apareciam ainda encontrou forças para se desprender de tudo sereno e tranquilo a nos dar vida e a nos dar forças a nos dizer: “ não me incomoda sofrer 10 ou 20 vezes mais, contanto que meu sofrimento valesse para alguma parte da humanidade”.

Elle sentia ainda muito de perto todo o amargor de seu começo de vida. E no entanto nem uma palavra de queixa ou de revolta a pedir a Deus que lhe desse vida material para poder usufruir o premio de seus annos de dificuldades e de canseiras.

E era aquele ser já meio morto, meio vivo, inchado, abatido por remedios e por injeções que nos dizia a palavra conforto do fundo de sua fraqueza:

“Não chorem, eu não sofro por morrer. Sofro por vocês que ficam ahi sofrendo. Quanto a mim sou feliz, morro dizendo seja feita a vontade de Deus. Como podemos pois esmorecer na Luta pelo bem e pelos bons?”

Ha dificuldades, há lutas, há desharmonia. Mas a gente se refugia na Fé em Deus, no bem e nos bens, e todo mais é como o vento a soprar sobre a rocha: E todos aqueles que tiveram uma noção elevada e nobre da vida não podem fugir ao dever de todos, fazendo ou procurando fazer que todos os corações abandonem arestas e más praticas para dizer com Elle: Seja feita a vossa vontade.

16 – out – S. Geraldo 10,18 da noite

E ahi estão nestas palavras, minha querida Laura, a razão de crescer sempre o meu desejo de ser bom. De proteger os fracos e os pequenos. Pois se Deus nos mostra o seu caminho, Se Deus nos protege dando ao Diniz esta força e esta paz. E atravez delle elevando a todos nós, confortando-nos em nossas horas de sofrimento como não podemos deixar de ver nisto a sua vontade de que levemos este conforto moral e material que nos da a todos aqueles que ainda são mais fracos que nós?

20 – VELHO RÔXO POR ELE MESMO

CINQUENTENÁRIO DE BARRA DO GARÇAS

Barra do Garças é uma cidade do Leste do Estado de Mato Grosso e faz parte da história da Expedição Roncador Xingu, em que  o Tio Neneo participou.

Em 1999, foi publicado um livro, em comemoração aos 50 anos da emancipação da cidade, organizado por Zélia dos Santos Diniz. Houve Concurso Literário e, neste livro, foi publicado o Ensaio vencedor do concurso: “O Velho Roxo”.

Fiz contato com a autora, Ana Rute Diniz de Aguirre, que, muito gentilmente, permitiu que eu publicasse aqui este Ensaio.

Tenho este livro por presente do Tio Neneo.

livro

velho-roxo

O VISITANTE

Tomei consciência do valor da Expedição Roncador-Xingu e Fundação Brasil Central quando me deparei com este assunto numa prova de Exame de vestibular que prestei na Universidade Federal de Mato Grosso, em 1994.

Era constante a movimentação de pessoas em minha casa, o vai-vem de minha mãe em constantes viagens, o telefone pondo em linha sempre alguém pra falar do tema. O carteiro trazendo correspondências no estilo não me despertaram. Mas houve algo que falou mais alto ligando-me ao vestibular – Tauairã.

Ele chegou de manhã. Mamãe, como de costume estava digitando nos teclados de seu computador, em sua sala-escritório, rodeada de estantes e papéis.

Meu irmão mais novo, o mecânico gritou lá da garagem, que é sua oficina.

– Mamãe, tem aqui uma pessoa lhe procurando.

Ela respondeu sem levantar os olhos fixados no papel recém impresso.

– Manda entrar aqui.

Ele apareceu à porta. Algo incomum chamou a minha atenção. Eu que muito curiosa, corri da cozinha para ver quem procurava minha mãe. Era um estranho para nós. Japonês, Coreano ou chinês?

Nada disso, era um indígena muito especial. Forte, sem obesidade, bem saudável. Estatura mediana, olhos vivos, atentos, digo até de porte atlético. Em trajes simples mas elegantemente impecável. 30 ou 40 anos? Não sei bem.

Eu sou Tauairã, filho do velho Rôxo, de Niterói, no Rio de Janeiro. Estou de passagem para a ladeia e ele me pediu para visitá-la. Deu-me seu endereço.

Mamãe e ele conversaram por toda a manhã. Ela mexeu e remexeu papéis. Olhando fotografias e o assunto não se extinguiu até duas horas da tarde. Falaram de tudo. O assunto central, porém foi o “Velho Rôxo”.

Depois que se foi, perguntei sobre ele, índio não índio. Traços fisionômicos fiéis abrigando usos e costumes que não os da aldeias numa expressão de português corretíssimo sem nenhum sotaque.

Ouvindo tantas histórias contadas pela visita, a curiosidade me levou a remexer os papéis de minha mãe, que são guardados carinhosamente, porém sem exclusividade. Aliás, ela até se orgulha em exibi-los a quem quer lê-los.

Comecei pelo livro que ela publicou sobre a cidade onde eu nasci e que nunca tinha lido todo. Fala da Fundação Brasil Central muitas vezes mencionada na conversa dela e Tauairã. Li outro que não estava editado e muitos escritos não catalogados. Neste segundo livro citado encontrei uma página com o título “Dr. Rôxo”.

  1. RÔXO

Perguntei a ele se aquele Dr. Rôxo era o pai do visitante que ainda voltou várias vezes naquela semana e que também vi na praia entusiasmado com a pequena Copacabana de Aragarças.

Ela disse que sim, Manoel Rôxo da Motta, é o pai branco do índio Tauairã.

A página dela pode ser transcrita na íntegra. Ei-la:

“ Ele é um octogenário. Técnico formado pela Escola Superior de Agronomia de Viçosa, Minas Gerais, seu estado natal, veio para o Centro-Oeste brasileiro nos primórdios da Fundação Brasil Central.

Sua missão foi de instalar núcleos coloniais na região, a partir de Barra do Garças.

Promoveu o assentamento de famílias de colonos, em programa bem elaborado, dando-lhes a necessária assistência técnica, material, social e cultural.

Foi o eventual substituto do Coronel Vanique na chefia de expedição em seus impedimentos.

No acampamento de Xavantina conheceu Eny, moça carioca, assistente social da Base do Aragarças, que viera conhecer os trabalhos do interior.

No mais belo cenário do sertão brasileiro, Manoel Rôxo da Motta, um rude técnico, como ele mesmo se qualifica, viveu com Eny um romance eterno.

Casaram-se em Barra do Garças. Cerimônia civil foi realizada pelo Juiz de Paz João Cristino e a religiosa pelo padre da Colônia Indígena de Meruri que viera oficiar as solenidades da festa do padroeiro em 13 de junho.

Após o casamento seguiram para Xavantina onde moraram durante muitos anos. Aí nasceram seus filhos e se criaram.

Anos a fio o agrônomo percorreu o espaço entre Xavantina e Aragarças. De início, a pé e a cavalo, por picadas; em caminhões quando já havia estradas e por via aérea, encurtando a distância e o tempo, para atender situações emergenciais na sua tarefa colonizadora.

Hoje, residindo em Niterói, Dr. Rôxo, um legítimo herói de nosso século, desbravador e criador de cidades, vive para a esperança de ver realizadas todas as obras que farão do Brasil o melhor país do mundo. Este homem é o Dr Rôxo da Motta.

São poucas as palavras citadas para falar de toda uma vida. Vou à pasta de correspondência de mamãe buscar mais alguma coisa. Eu precisava de detalhes para satisfazer minha curiosidade.

Nesta pasta estão arquivados cartas, poemas e contos escritos pelo Dr Rôxo. Se juntasse tudo daria para publicar um romance tão substancioso como os de qualquer escritor renomado.

   AS CARTAS

“Professora, a senhora quer os dados sobre minha vida. Posso resumir, “homem comum, vivendo vida comum, todavia considero-me uma criatura privilegiada pelas oportunidades que tive de conhecer pessoas especiais. Começa com o meu pai. Homem simples, modesto que fez da honradez um objetivo. Menino, estudou com “mestre escola” numa época em que, lá na nossa terra não havia escola. Os “mestres” iam em casa, proibiam ter “letra redonda” (letra de imprensa). Usavam cartas escritas a mão pelos próprios mestres. Os discípulos todos tinham o mesmo “talhe” de letra. Minha mãe, culta e inteligente, era o complemento do equilíbrio da família.

Meu pai, com trabalho e inteligência, de enxadeiro e carreiro de bois, construiu um patrimônio. Perdeu tudo com a queda do café, a partir de 1927. Perdeu por ser bom, avaliando letras para amigos. Que por sua vez, perderam na avalanche da derrocada que abrangeu o mundo.

Eu, seu quinto filho, em uma família de dez. Fiz o Curso de Técnico Agrícola em Viçosa. Meu irmão mais velho pagava a metade da matrícula, e eu a outra metade trabalhando.

Fui encarregado do Departamento de Agronomia. Foi marcante na minha vida profissional, por ter como professor, chefe e amigo um homem especial chamado Dr. Diogo Alves de Melo.

Trabalhei na Penitenciária Agrícola de Neves, em Belo Horizonte, tomava conta de duas fazendas. Foi a experiência mais fascinante de minha formação. Aí tive como diretor, Dr, José Maria de Alkmim, também um homem especial.

Fui mobilizado pela Coordenação da Mobilização Econômica “esforço de guerra”. Voltei a ter contato com Dr. João Carlos Belo Lisboa, ex Diretor da ESAV (Escola Superior de Agronomia de Viçosa) outro homem especial. Estive no Pará. Posteriormente, ainda pela CME, fui mandado para servir na Expedição Roncador Xingu na Barra Goiana, hoje Aragarças. Aí em ERX e depois na Fundação Brasil Central, conheci homens especiais: Ministro João Alberto Lins de Barros, Coronel Antônio Eugênio Basíli, Dr. Artur Hel Neiva, especialmente o Coronel Flaviano Matos Vanique.

Ainda na FBC, os amigos e auxiliares valiosos, Carlos Miotti, Lourival Gonzaga, entre outros na Base de Aragarças. Em Xavantina – Virgílio Nascimento, o velho Militão, Zacarias Guedes de Moura e sua esposa. E tantos outros, como Joaquim Nunes e o piloto Olavo Cavalcanti. Seria longa a lista de pessoas especiais e a memória já pregando-me peças.

Aí na região, fui privilegiado em conhecer criaturas especiais, muito especiais: Padre Antonio Cobalchine, Otacílio Onofre de Melo, Antônio Cristino Cortes, Antonio Bilego, Félix Costa, Valdon Varjão, Antônio Moraes, Jerônimo Tão, José Velho, D. Pantica Costa, D. Zuila Costa, a minha madrinha inesquecível D. Dolores Peres. E tantas e tantas criaturas admiráveis que muito me ajudaram pelo exemplo e orientação. Não podia esquecer o admirável Chico Meirelles, eficiente, trabalhador, organizador, disciplinável, em síntese, um exemplo.

Aí no sertão eu me realizei, fiz exatamente o que gostava. Infelizmente. a incompreensão dos que detinham o “mando”, me vi frustrado em não poder realizar muito do que sonhei ser possível fazer.

Em compensação. conheci a criatura admirável em todos os sentidos, Eny Malheiros Rôxo da Motta, minha esposa. Só conhecê-la valeu a pena ter vivido – Nossa filha Márcia, deixou de nascer em Xavantina por vinte dias. A Dora nasceu em Xavantina. Tauairã nasceu no Xingu. Fernando começou a nascer em Xavantina ( no avião pilotado pelo Olavo Cavalcanti) acabou nascendo em Aragarças.

Isto não é uma biografia, eu não a mereço. Nem mereço aparecer em seu livro. Digo-o sem falsa modéstia – se fiz estas anotações, foi para satisfazê-la e para não perder a oportunidade de lembrar de pessoas realmente especiais.

Em carta de 26 de abril de 1991 o Dr. Rôxo diz:

“Conforme prometi, estou enviando os relatórios relacionados com o “Vale dos Sonhos” – Lembro que tínhamos localizado o Núcleo junto à serra. O povoado Matrinchã, lá na baixada, surgiu anos depois. Já com o novo traçado da estrada Aragarças-Xavantina.

Quero pedir desculpas por ter usado em demasia o vocábulo “eu” na carta anterior. Realmente não é meu hábito. Observe que nas fotografias eu não apareço. Geralmente estou atrás da máquina fotográfica.

Alguém já disse: “nenhum homem é uma ilha”. Nada fiz sozinho. Na horta em Aragarças, além de meus amigos. os trabalhadores, tive a ajuda valiosa do Sr. Carlos Mioti, ex irmão leigo dos Salesianos (A vida deste homem valoroso “dá um romance”). Na construção do campo de aviação, tinha três homens relacionados na região, eles recrutavam os trabalhadores, chegamos a ter oitenta homens trabalhando. Não consigo lembrar-me dos nomes dos três homens. Cito alguns detalhes, talvez a senhora possa identificá-los. Um irmão do Sr. Pedro Martins, bem moço, magrinho, inteligente, portador de defeito no braço esquerdo. Um irmão do Sr. Adão Branco, moço realmente branco, parecia italiano ou espanhol. Um senhor muito meu amigo, mais tarde tornou-se sogro do piloto José Póvoa. Esse piloto morreu em desastre bem na cabeceira do campo de Aragarças. A esposa deste senhor, meu amigo, costureira emérita, fez várias bombachas para mim.”

Muito curiosa, senão especial é a carta de 31 de outubro, onde toda modéstia com que imagino vê-lo transparece em palavras simples, mas firmes nas afirmativas e nos propósitos. Esta missiva dá-nos a idéia definitiva do homem de caráter inquebrantável e exemplar. Leiamos um trecho dela:

“Perdoe-me fazer alguns reparos em seu artigo, cuja cópia teve a gentileza me remeter, vejamos:

1º – Não sou Engenheiro Agrônomo. Sou sim Técnico Agrícola.

2º – Não sou doutor. Este título foi-me outorgado por gentileza do nosso amigo Valdon Varjão.

3º O Juiz de paz que presidiu nosso casamento, foi João Cristino Côrtes, filho de Antônio Cristino Côrtes.

Uma ocasião. o Valdon Varjão sugeriu-me uma homenagem. Escrevi-lhe argumentando: nós da Expedição Roncador Xingu e Fundação Brasil Central, nunca fomos heróis, trabalhávamos sim, muitos, como eu, éramos idealistas. Porém não havia heroísmo, porque tínhamos a garantia da assistência do Escritório Central. E, mais do que tudo, contávamos com o apoio dos admiráveis homens do CAN. HOMENS (COM LETRA MAIÚSCULA) desprendidos, bons sem preocupação de parecerem bons.

Heróis de fato, foram aqueles que enfrentaram o sertão bruto. Contando tão somente com a proteção de Deus, a sua coragem e da família. Com seus recursos precários, sem que os governos tomassem conhecimento das suas existências. Viram com frequência roubados nas suas posses, por pessoas que jamais pisaram o “seu chão”.

Foram centenas, sem dúvida, como Jerônimo Tão, Domingos Gomes Pinheiro, Antônio Cristino, Lúcio da Luz, José Velho, para citar uns poucos.

27 de novembro de 1992. Uma longa carta. Cada correspondência do Dr Rôxo – desculpe-me insistir no Dr. Mas é assim que se fala dele pelo Vale do Araguaia, do Garapu até Aragarças – é um livro de histórias, muitas das quais não registrou, por isso com a permissão da professora, minha mãe, transcrevo trechos que considero de interesse público.

Desta última cito:

“Foi então que senti o quanto estou velho, sem domínio do pensamento. Ás vezes surgem lembranças e se vão, deixando um “vácuo” de ideias. Todavia vou tentar “bombear” as lembranças e anotá-las rapidamente. Na esperança que elas, as lembranças, possam servir à senhora, pelo menos como sugestão, ao seu magnífico trabalho de erguer Aragarças. Olha não vai ser fácil…

Dia 3 de setembro de 1943, eu cheguei a Barra Goiana hoje Aragarças. Viemos eu e um colega José Monteiro, Zootecnista. Havíamos viajado em uma caminhonete tipo rural de Uberlândia a Rio Bonito – Hoje, Caiapônia, a estrada estava interrompida daí pra frente em rio Bonito, pernoitávamos – em uma casa da FBC, e tomávamos as refeições na pensão de D. Nhazinha – Era prefeito de Rio Bonito o médico, Dr. Plinio Gaier. Homem simpático muito respeitado, adaptado ao sertão. Anos depois,  Dr. Plínio, Deputado Federal, a Assembleia era no Rio de Janeiro, ele se suicidou, supondo estar com câncer na bexiga.

A Expedição Roncador Xingu já na Barra Goiana. Tinha sido programado para sair de Leopoldina – hoje Aruanã – o senhor Pedro Martins, em Goiânia, demoveu o Ministro João Alberto Lins de Barros, Coordenador da Mobilização Econômica e organizador da Expedição Roncador Xingu. Demoveu o roteiro por Leopoldina porque a margem esquerda do Rio Araguaia até o Rio das Mortes era toda de banhados.

O senhor Francisco Brasileiro – Chicão, se desentendeu com o Coronel Flaviano Matos Vanique, comandante da ERX (o Coronel Vanique tinha sido chefe da guarda do Presidente Vargas).

O senhor Chicão, se retirando da ERX, veio de Aragarças a Caiapônia, em um avião monomotor da NAB (Navegação Aérea Brasileira) – Eu e meu colega viajamos a Aragarças neste avião. O campo de aviação de Barra Goiana ficava no alto, com topografia irregular. – A senhora deve ter um escrito meu com a história do campo definitivo.

A área onde instalou-se a Base da Expedição Roncador Xingu pertencia a fazenda do senhor Pio Barros.

Quando foi criada a Fundação Brasil Central, por decreto do Presidente Getúlio Vargas, o Ministro João Alberto ficou como presidente da Fundação.

O Ministro João Alberto comprou oitenta alqueires da terra do Pio Barros – A divisa ficou sendo: Da foz do Córrego do Jaraguá, subindo o córrego até onde ele “tomba” – para direita de quem sobe. Deste ponto, uma linha seca até o córrego do Rola. Pelo córrego do Rola abaixo até o Rio Araguaia. Pelo Araguaia, acima até a foz do Jaraguá (ponto de partida). Interessante, tenho em mente a figura do Agrimensor que fez o levantamento da área e planta, não consigo me lembrar do seu nome.

O valor da compra dos oitenta alqueires foi de oitenta contos. Valor altíssimo para a época – Aconteceu um fato pitoresco mas lamentável. O senhor Pio Barros guardou as notas escondida entre os torrões da parede barreada de sua casa. Os cupins destruíram as notas. O Ministro levou-as ao Rio para tentar trocá-las na Casa da Moeda – Não fiquei sabendo do resultado.

A área de oitenta alqueires era o patrimônio da Base de Aragarças. Da Fundação Brasil Central. Incluindo a corrutela de Barra Goiana. Creio que a escritura foi passada na Barra Cuiabana.

O primeiro Chefe da Base de Aragarças foi o Cel. Cyro Vidal. O segundo Chefe foi o Engenheiro Dr. Francisco Lane. Dr. Lane, homem com tirocínio, inteligente e culto, muita prática profissional. Mas bebia desbragadamente, e isto o derrubou, lamentavelmente.

O terceiro Chefe da Base foi o Dr. João Renato Lyra Tavares, cuja única qualidade era ser irmão de um General ( General/ depois Ministro da Guerra). Dr Lyra, homem despreparado até no físico. Gordo, balofo, dormia até tarde. Se cercou de uns moleques “cheirosos”, verdadeiros bobos do Rei. E ele era ridículo, verdadeiro Rei Momo – Tempos depois disseram que havia se suicidado no Rio de Janeiro.

Dr. Lyra colocou um escuro, gordo, Júlio, de unhas compridas com esmalte, sapatões de sola grossa e bico arrebitado – Interessante, o Júlio pessoalmente era até simpático como chefe do abastecimento. Diziam que os compradores estavam enriquecendo – Eu fazia compras a pedido do Ministro e do Capitão/aviador Antônio Eugenio Basílio, para fazer favor. Não era minha obrigação. – Muitas vezes saía de madrugada, com escuro, ia com o motorista do caminhão tomar café em Bom Jardim. Pagava do meu bolso o café e as refeições para mim e o motorista. Nunca fui reembolsado. Também, bobo, nunca cobrei.”

Mas não é só história que Dr. Rôxo fala. Ele é uma cultura vasta e não demonstra “vazios de memória” de que falou anteriormente. Prova disso está no trecho da carta de 29 de dezembro de 1992 quando ele diz:

“Aqui estamos no limiar de 1993. Esta é ocasião de reflexão. Às vezes sobre fatos aparentemente insignificantes. As índias do Xingu usavam o “uluri”, era o seu vestido e o seu cinto de castidade. Absolutamente moral e respeitável. Atualmente, moças e senhoras não tão jovens vão a praia com o seu “fio dental”, até se afastar da praia “assim vestidas”. Tudo já passou a ser visto natural. Pergunto: estamos progredindo ou regredindo?

Vem os vestidos longos, voltam as mini-saias, bem mini mesmo. Os “colantes” em tecidos finos mostram a anatomia das mulheres. Que vão calmamente pela rua expondo os seus dotes. Pelo menos tem um mérito, não há engano ou surpresa. – A cirurgia plástica faz milagres mas não muda a fisiologia.

Nesta outra de 05 de fevereiro de 1993 podemos avaliar a coerência e a precisão do raciocínio do Dr. Roxo, quer na correspondência, quer na criação dos seus contos ou dos poemas. Vamos à carta de um dos poemas.

   O POETA

“Já é um progresso uma carta de Aragarças a Niterói em três dias. Que o diga a revista Intervale (n 8) que a senhora teve a gentileza de me mandar. – Meu Deus… é de estarrecer o progresso que essa região teve em cinquenta anos. Chega às raias do inacreditável.

Um saudosista empedernido eu, sente falta do sertão “que foi”. É o progresso. – Li, há anos, um livro, se não me falha a memória, “Choque com o futuro”, onde trata do assunto, inclusive dos “inadaptáveis”. Creio que este livro eu deixei com o Bilego.

Professora (…) a melhor interpretação da finalidade da Expedição Roncador Xingu, foi feita pelo Vilas Boas. Li o seu artigo em um livro do Senador Valdon Varjão.

Eu me considero um saudosista, ou um caduco, nem sei. Às vezes faço histórias, para dar vazão aos meus sonhos. Escrevo para mim mesmo. Passado algum tempo as releio. Então é como se tivesse encontrando um amigo. Peço desculpas, não sei por que estou lhe enviando uma amostra. Conto com a compreensão da professora. Não há a mínima intenção de publicidade.

Fico a imaginar a luta da senhora na organização da comemoração dos cinquenta anos da ERX. Os tempos são outros. A própria evolução brutal havida na região. A televisão, rádio, telefone, os transportes, influem na interpretação dos fatos.”

ALGUNS POEMAS:

SOLO

(02/02/1982)

Solo você o pisa

Solo você o planta

Solo você o joga

Solo você o canta

Pisa como andador

Planta como agricultor

Joga se é jogador

Canta como bons cantos

Andador pisa o sol

Agricultor cultiva o solo

Jogador também joga o solo

Cantor mau atrapalha o solo

Solo chão

Solo dá pão

Solo não joga não

Solo pode ser canção

Tudo dito, sem solução…

AGRADECIMENTO

Senhor Prefeito, agradecido

Versos não faço nem parecidos

Métrica é minha desconhecida

Rima nem posso arrumar

Pela vida plantei

“Ipomea Batata”, e as do idioma.

Meu Deus!

Quantas cultivei

Meus “pés quebrados”

São fraturas expostas

Sem maiores intenções

Nem penso serem lembrados

Julgamento bondoso, não merecido

Sem desmerecer os juízes

Não posso aceitá-los

De qualquer modo agradecido.

CEM – SEM

(1/10/90)

Cem homens sem nada fazer

Como cem múmias, sem se mexer

Sem se mexer, objeto de cem atenções

“Sem essa” de trabalhar, “pra quê?”

Cem queixas de ganho pouco

Sem deixar espaço para cem outros

Cem outros, talvez, não fiquem sem trabalhar

Cem ganhos poucos, melhor do que sem…

Muito bem, se os cem poucos

Não nos deixa sem comer

Ao menos”

MODÉSTIA E RECATO

(20/07/1995)

Ai de ti político

Tens de expor o que fostes

O que és e o que pretendes ser

Contrarias o preceito mítico

Esconda os teus pecados

Nem de falseias

Nada Importa

Se eleger dando o teu recado.

Eleito e empossado

Estás a salvo

A imunidade cobre teus pecados.

Agora sim,

Estás a salvo,

Teu silêncio

Sugere modéstia e recato.

(SEM TÍTULO)

A pá lavra

Sim o lavrador

Mas quem lavra a dor

É o doutor

Pa lavra do lavrador

Ou palavra do doutor

  TERNO ETERNO AMOR

Dr. Roxo escreveu num relatório-romance, passagens de sua vida íntima. Ele denominou “Minha Versão”. No canto superior esquerdo da primeira página, quase escondido pelo grampo que prende as folhas do trabalho datilografado está uma anotação muito interessante, escrita á mão: “Isto é segredo de família. Foi escrito para meus filhos”.Rôxo

Vou penetrar na intimidade desse relatório-romance que é muito mais do que uma história ou um simples romance. É um conto de fadas moderno vividos por heróis do nosso século no mundo de mistério e fantasias da Serra do Roncador.

Transcrevo parte para que se faça uma idéia exata de que, entre as asperezas que a vida real ofereceu aos expedicionários desbravadores do Leste mato-grossense, pode-se também encontrar momentos de ternura e ter certeza de que em qualquer parte as pessoas podem viver dignamente seu destino. E foi nesta autenticidade de valores que encontramos muitos valores anônimos. Estes  simplesmente passaram pela terra, fazendo com humildade o seu necessário e indispensável  trabalho e que se forma sem despertar o interesse dos que reproduzem a história.

É assim o velho Rôxo. Confira:

“MINHA VERSÃO

Hoje, 23 de dezembro de 1982, casa o Fernando, meu filho mais novo, com a Ellen.

Vem-me à lembrança de 12 de junho de há 35 anos atrás. Eu já madurão com quase 37 anos. Temperamento retraído e tímido vivendo lá no sertão do Mato Grosso, encontrei o ambiente adequado. Já nem passava pelo meu pensamento a ideia de me casar. No acampamento de Xavantina, eram poucas as famílias. E, menores, a possibilidade de encontrar uma parceira. Quando saia em férias, tinha meu tempo dividido: Uberaba, Belo Horizonte, Juiz de Fora onde morava minha mãe, era onde passava muito tempo, em seguida Rio e era tempo de voltar.

Foi quando chegou a Aragarças a Eny, indo trabalhar como assistente social. Moça culta simples e dinâmica, extrovertida. Não era bonita, longe disso, mas tinha algo atraente inexplicável. Foi ela a Xavantina, em avião do CAN, convidada para sobrevoar uma aldeia dos Xavantes. Na época bravos e agressivos.

O avião um Nordwing, monomotor, deu pane no campo de Xavantina., tentavam resolver o problema. – Eu substituia o Coronel Vanique na chefia da Expedição. Pelo telefone do campo avisaram que vinha uma “professora” visitar o acampamento e viria almoçar. A esta hora já tínhamos almoçado. Dispúnhamos de poucos recursos. Fiquei preocupado com a tal visita inesperada e para almoço fora de hora. Mandei que fritassem uns ovos, fizessem um pouco de arroz, aquecesse o feijão, farinha, aí está o cardápio. Pratos esmaltados, garfos de ferro, canecas eram a baixela.

Enquanto preparavam o almoço fui mostrar à visitante o acampamento. Pouco tinha a ver: duas ou três de telhas e tijolo, o hospital pequeno e modestíssimo, a serra ria manual, bem como a olaria. Foi quando ocorreu pedir a Miguel mecânico colocar o motor de popa no batelão e fomos dar um pequeno passeio pelo Rio das Mortes. Águas claras, margens cobertas de mata. Subimos até a primeira corredeira, pouco acima da ilha, para ter uma visão do acampamento – Ao voltar, o almoço do que tinha.

O refeitório era um rancho coberto de folhas de buriti, cercado de achas de madeira. Mesa tosca, sem nenhum acabamento, tábuas sobre cavaletes, bancos. A cozinha ao lado, fogão de lenha, panelas de ferro pretas de fuligem. A cozinheira, senão me engano, já era a Velha Toca, cujo nome nunca soube, preta idosa, feiíssima, mas muito simpática.

Acabado o almoço, vimos que o avião já podia voar. O caminhão estava enguiçado. A professora voltou ao campo, distante um pouco mais de 1 quilômetro, como veio, em uma carroça de quatro rodas, puxada por uma parelha de burros. Não fui ao campo, aliviado por ter atendido, na medida do possível, a visitante. Como era tarde, não foram à aldeia dos xavantes, voltaram direto para Aragarças.

Alguns dias depois, quinze ou vinte dias, não me lembro, avisaram pelo rádio, do Rio, que viriam uns visitantes, no dia seguinte, em avião especial, pela manhã. Já tinha pernoitado em Aragarças. Era um grupo grande, franceses com esposas, professores da Sourbonne, o Cônsul francês. Dr. Arthur Heil Neiva – Secretário Geral da Fundação Brasil Central.

Logo que o rádio avisou a decolagem do avião em Aragarças, fomos para o campo esperar os ilustres visitantes. Além do caminhão Ford, uma camioneta. Felizmente avisaram que não almoçariam. Foi pena, porque para eles seria pitoresco usar pratos de “ágata” (esmaltados) garfo de ferro – Chegados, foram distribuídos uns oito na camioneta, as mulheres e um mais idoso da Sourbonne e o Cônsul. Os outros mais moços com “Fair play” foram no caminhão. Vinha acompanhando os visitantes a assistente social agora já nossa conhecida. Na camioneta ela veio sentada ao meu lado e mais uma senhora no banco da frente…”

O NOIVADO

Finda a Segunda Guerra Mundial o Presidente Getúlio Vargas liberou à visitação nacional e internacional o Brasil que acabara de ser redescoberto pela Expedição Roncador Xingu e Fundação Brasil Central –FBC – que até então fora mantido em segredo de estado. Assim se tornaram frequentes as caravanas de brasileiros e estrangeiros, sendo na maioria estudantes, jornalistas e cientistas.

Com certeza fizeram minuciosos relatórios do que viram e estudaram, mas não há arquivos ao nosso alcance que os comprovem. O que é verdadeiro é que, com a extinção da Fundação Brasil Central em, em 1967 e criação da SUDECO, os arquivos da Presidência da FBC em Brasília, foram incinerados para dar lugar ao órgão que então se iniciava, isto é, SUDECO. Já os arquivos de Aragarças – Base da Fundação – eram guardados na Biblioteca “15 de novembro” do “Ginásio 31 de Março”.

Nesse ínterim a prefeitura criou uma biblioteca pública (1974) e transferiu em comum acordo com a direção do ginásio, todo o acervo da biblioteca, com os devidos arquivos. Esta biblioteca, que até então servira a todos os estudantes de Aragarças, Barra do Garças e Xavantina, não mais funcionou. Ficou entregue à poeira e às goteiras até que um prefeito municipal mandou tocar fogo em todos aqueles “papéis velhos” para comprar tudo novo. Isto foi por volta de 1979. Ainda não compraram aquele “tudo novo”.

Voltando ao assunto inicial “O Velho Rôxo”:

…”A Eny tinha um lenço de seda à cintura. Ao passar a marcha, arranquei o tal lenço. Resultado de tanta inibição, viemos de segunda desde o campo até o acampamento.

Ciceroneava o Dr. Neiva e o Cônsul, com alguma interferência da Eny. Foi nosso segundo encontro. Tínhamos que responder inúmeras perguntas sobre ecologia, clima, flora, como vivíamos, como comíamos. Teve um que queria saber como resolvíamos o problema sexual. Respondi que trabalhando muito, maltratando o físico, para descanso da mente.

O sol estava quente, o ar muito seco, beberam litros e litros de água na temperatura ambiente, colhida no Rio das Mortes. Em canecas esmaltadas. Voltaram ao avião, sobre voaram a margem esquerda do rio e foram embora.

Como disse eu estava substituindo o Coronel Vanique. Estávamos passando um período de crise, falta de dinheiro e gêneros. Tinha de ir a Aragarças com certa frequência para tratar com o Levino Nascimento, nosso comprador. Preparávamos a carga e os pagamentos. Voltávamos às vezes no teco-teco, trazendo alguma coisa, ou, no próprio Douglas DC3, com a mercadoria, que seria enviada por tropa para o pessoal da picada.

Quando já tinha sido abertos os campos dos “Índios” distante umas des léguas de Xavantina, e o campo do Tanguro lá na cabeceira do Rio que, depois ficamos sabendo ser o Rio Sete de Setembro e não o Rio Tanguro. Mas o nome do campo ficou. Hoje, se não me engano, lá tem uma colônia de gaúchos produzindo arroz de forma cooperativa.

Uma das vezes que fui a Aragarças, a noite, depois do jantar, eram quase 20 horas, a D. Eny me pediu que a acompanhasse até o Rola, onde tinha a serraria; ia aplicar injeções em uma senhora doente grave.

Lá fomos, pela estrada do caminhão. Tinha chovido, estava bem escuro. Às tantas encontramos um grande atoleiro. Fui abrindo caminho pela beira do serrado. Em um momento tínhamos de saltar uma poça d’água, ofereci a mão, ela me disse que não, pois saltaria sozinha. Auto-defesa talvez, estávamos em local deserto a mais de três quilômetros da Base e quase um quilômetro da serraria. Nunca mais ofereci a mão…

Na serraria tinha luz do dínamo acionado pelo locomóvel. A luz ficava acesa até as 22 horas. Aplicada a injeção, tomamos cafezinho em várias casas dos trabalhadores, muitos meus conhecidos.

Certa vez, em Xavantina, o piloto Gilberto me perguntou se eu “tinha coragem” de casar com a D. Eny. Eu lhe respondi que em primeiro lugar, tinha de saber se ela tinha coragem. O fato é que a essa altura andava empolgdo. Tanto que comecei a fazer mais viagens a Aragarças do que realmente era necessário.

Uma das vezes em que estava em Aragarças, creio que houve uma festa ou algo parecido, em casa de Zétola e D. Mercedes. Fui chamado, lá estava a conversar, quando a Eny entrou. Foi a primeira vez que eu a via sem botas e de vestido. Fiquei deslumbrado. Já não sabia onde colocar as mãos. Fiquei besta sem saber o que falava. Depois fiquei sabendo que D. Mercedes tinha observado, embora eu procurasse ocultar.

Eu tinha de manter as aparências. Afinal um velho “galo de São Roque” não podia estar fazendo papel de rapazinho. O pior é que apesar de todo “policiamento” a gente faz. Lá pelas tantas, todos se retiraram da casa do Zétola ( o Zétola era radiotelegrafistada FBC). A Eny me convidou para darmos um passeio. O luar estava lindo, como só pode ser no sertão.

Fomos no mais absoluto “recato”, como sempre cheio de formalidade. Quando voltávamos, isso já devia ser mais de uma hora da madrugada, descíamos uma ladeira para atingir a Base. Junto a um pé de embiruçu, sem intenção, ou como intenção, nem sei, paramos para observar a quietude, o vale do Araguaia coberto de cerração.

Perdi completamente o controle e a beijei. Meu Deus, ainda digo hoje. Foi um deslumbramento. Uma emoção inexplicável! Ela tinha correspondido. Perguntei se ela queria casar comigo. Aceitou. Fiquei maluco certamente. Larguei-a para trás e fui andando. Estava descontrolado de satisfação. Ela me chamou, pois eu ia andando sem rumo. Voltei e beijei-a novamente.

No dia seguinte já mais controlado, pensei: Ela uma moça da cidade. Eu um rude técnico, sempre apegado a minha profissão ligado a terra, ao interior. Mas não queria perde-la. Mesmo assim, pedi que ela pensasse bastante. Ponderei sobre a minha profissão. Ela estava de viagem marcada para o Rio. Pedi-a que procurasse se encontrar com seus conhecidos, comparasse e ponderasse e depois me escrevesse.

Não precisava dizer da minha ansiedade. Realmente dias depois eu soube que ela tinha viajado para o Rio. Nesse ínterim, eu não me considerava noivo. Pois carecia da aprovação do pai dela que eu não conhecia, pois quando ele estava em Aragarças não foi a Xavantina. Naquela época minhas relações com a Eny eram formais.

Pois bem, quando Eny viajou para o Rio, escrevi dezenas de cartas ao Sr. Demétrio, pedindo-a em casamento, sem que encontrasse uma forma que me satisfizesse. Foi quando me lembrei de escrever ao Dr. Vasconcelos, pedindo que formalizasse a “coisa”. Escrevi uma carta bastante informal. E o Vasconcelos, que também não conhecia a família, levou a minha carta e leu-a para o velho Demétrio. Apesar de tudo, foi aceito. E, só então, me considerei noivo. Passei a escrever sem senhoria.

Eu também aproveitei a volta do Coronel Vanique, tirei férias. Fui conhecer a família da Eny. Eu me sentia deslocado com as coisas da cidade. A mudança era muito grande. Devo ter causado péssima impressão, meio canhestro. Voltei antes da Eny. Tendo antes levado-a a Juiz de Fora para conhecer mamãe e meus irmãos. Todos gostaram dela. Acharam muito parecida com a Tia Ila, casada com o Neu, irmão de mamãe.

Eu já não era criança, com  36 anos. Ficava ridículo sob meu ponto de vista, ficar noivo prolongado. Marcamos nosso casamento para junho em Aragarças, fugindo do cerimonial em Niterói”…

O CASAMENTO

…Na Barra não tinha padre residente. Marcamos para o dia 12 de junho (1947). Nesse dia teria padre vindo de Meruri. Dia 13 seria a grande festa do Padroeiro da cidade. Tinha levado Certidão de Nascimento e a Carteira de Reservista, mas houve um desencontro na bagagem. Ainda não tinha carteira de identidade. Os papéis do civil foram baseados no Título de eleitor. Tudo foi facilitado.

Convidei i Bilego e a D. Noca sua esposa (a escrivã) para minhas testemunhas no religioso. Na véspera fomos do outro lado, Barra do Garças (Barra Cuiabana coo era chamada). Estava hospedado na Base da Fundação Brasil Central do lado de Goiás. Fomos ultimar os detalhes do cartório. Fomos falar com o padre, cujo nome não me lembro no momento.

Tinham me prevenido que o padre tinha neurose de guerra, to9masse cuidado, ele era salesiano do Meruri, nacionalidade francesa, tinha sido soldado na Guerra de 1914. Lá fui eu. Encontrei-o na rua. Disse-lhe que queria casar no dia seguinte e pedia-lhe para oficiar o casamento.

Ele respondeu que não podia fazer o casamento “vexado”, pois naão havia corrido os proclamas. Ponderei que não tinha vigário na Barra, não podia ter proclamas. E de mais a mais os papéis do civil estavam prontos. Sendo a noiva maior de idade, nós nos casaríamos no civil, iríamos viver junto até aparecer um padre que fizesse o casamento religioso. Nós éramos católicos e religiosos e queríamos casar perante a igreja.

Então ele solicitou uma certidão do cartório de que haviam sido feitos os editais. E que eu fosse com a noiva confessar. Assim foi feito e tudo ficou certo. A escrivã foi gentilíssima, providenciando a tal certidão. Fomos a igreja, confessamos e no dia seguinte comungamos durante a missa.

No civil, minhas testemunhas foram o piloto Olavo Cavalcanti e o Agrônomo Roque Paes Barreto. O padre marcou o casamento para as oito da manhã, horário de Cuiabá, uma hora atrasada do Rio e Goiás, portanto seria as nove horas.

No dia seguinte vesti um terno de linho comprado do Rio 9só usei uma vez, depois de lavado espichou de vez em vez de encolher, ficou todo deformado. Fomos eu, eny, minhas testemunhas e as dela. Foi muito chique, na carroceria do caminhão da Fundação Brasil Central (alta deferência) até a beira do Araguaia. Tomamos a balsa de atravessar animais e cargas, empurrada no varejão. Aproveitava o remanso para subir o quanto possível, depois da correnteza a balsa ia na diagonal até o pontal do Rio das Garças. Novo remanso até ser levada a correnteza e atingir a outra margem já no Mato Grosso.

Muito pitoresco e original – na missa o chão da igreja irregular, cheio de pedrinhas, éramos mantidos muito tempo de joelhos. Tive a impressão que meu joelho sangrava.

A missa era a tradicional, em latim, e o padre de costas para os fiéis. Comungamos e foi realizado o casamento. Aliás o padre foi muito atencioso. Depois da igreja fomos para o cartório que funcionava na residência da escrivã, onde foi realizada a cerimônia. Funcionando como juiz de Paz o João Cristino Côrtes, filho do velho Antônio Cristino Côrtes e irmão do Lalau (Ladislau). Em seguida foi-nos oferecido um lanche, em boa hora, depois do jejum da comunhão.

Voltamos a Aragarças pela mesma via balsa. Tomamos o caminhão que nos levou ao campo de aviação. O avião Fairchald asa baixa, piloto Olavo. Então solteiro, estava empolgado pela filha do Major Reis. Tirou vários finos rasantes sobre o pessoal, antes de seguirmos para Xavantina, onde o pessoal esperava com o caminhão. Fomos para o acampamento.

À hora do jantar o Coronel Vanique mandou-nos levar um pedação de churrasco “pois eu tinha de estar forte”. Ao chegarmos em nossa casa –tinha feito um arranjo com lata de banha e um ralo de chuveiro, Com a lata enchíamos o chuveiro improvisado. Deixei a Eny em casa e fui tomar banho no rio.

Estava em Xavantina o meu colega técnico agrícola e hoje famoso cientista José Cândido de Melo Carvalho, com quem fiquei conversando no refeitório da base. Por anos seguidos a Eny reclamava que eu a abandonara. – que nada…aí estão nossos maravilhosos filhos, que Deus nos permitiu ter e que todos os dias eu agradeço como uma bênção em nossa vida”

  O LIVRO DE CONTOS

O verdadeiro sentido da pesquisa que realizei e aqui ponho ao julgamento desta Comissão é para provar que no arquivo de cada memória há grande riqueza de dados históricos a serem revelados. Se não forem registrados a tempo a história do município ficará capenga de informações e não terá a sequência normal dos fatos.

Sei que o Velho Rôxo ficará feliz em saber que penetrei na sua memória, que devassei seus pensamentos, esparramando seus segredos como pétalas de ipês que o vento leva para bem longe empurrando as sementes que darão novas plantas lá adiante.

A carta que ele escreveu quando da volta da visita do filho Tauairã a esta região merece uma referência.

“Prezada Mestra

Muito agradecido por ter recebido meu filho – Tauairã. Ele havia telefonado á mulher dele, informando ter sido recebido pela senhora. Fiquei muito satisfeito.

Todos os anos, em suas férias no Arsenal da Marinha, onde trabalha, ele vai rever seu pessoal.

Embora tenha vivido até os 17 anos sem muito contato com suas origens e, educado, estudou e fez o curso de Técnico em contabilidade, trabalha na Marinha. É um excelente filho. Conserva todavia todas as suas características físicas e de comportamento. – É um ótimo exemplo de como a genética influi nas pessoas. É fora de dúvida que o meio exerce enorme influência no comportamento. Mas não muda a genética.”

Tauairã é índio xinguano órfão de mãe desde o parto. Diz-se que a cultura de sua tribo determina que o bebê seja sepultado vivo com a mãe se a morte foi provocada pelo parto. Isto talvez porque não houvesse um sistema de alimentação artificial na época. Desconheço detalhes da culturas xinguanas, embora o seja necessário, visto sermos, nós os não índios daqui quase naturais quanto eles. Seu pai reagiu contra o costume tribal e entregou-o aos cuidados do Dr. Rôxo que o criou em igualdade com seus três filhos nascidos no Centro Oeste.

Das vivências pelos sertões do Norte do Brasil Central o Dr. Rôxo acumulou, ao longo dos anos, pequenos escritos sobre pessoas e casos, senão interessantes, pelo menos curiosos. É um acervo que qualquer escritor diria formar livros de contos regionais. Já para sociólogos seria análises sociológicas dos povos do interior.

Os contos do Dr. Rôxo são na verdade análises de comportamentos diante de situações que surgem naturalmente no dia a dia das pessoas humildes do interior.

Muitas de suas criações podem ser lidas nos livros editados pelo Historiador Valdon Varjão, mas sua simplicidade não lhe permite editá-las em livros. Ele diz que são escritas para ocupar o tempo e deixar o registro para seus netos.

Nos poucos anos que o Dr. Rôxo viveu entre Aragarças e Barra do Garças, implantando serviços como a instalação da Colônia Agrícola do Vale dos Sonhos, a Colônia Agrícola do Pindaíba e a Base de Xavantina, criou paixão por estas terras. Como forma de gratidão pelos serviços em execução e também por fazer parte dos objetivos da Fundação Brasil Central o assentamento de famílias à terra, esta doou pequenas áreas aos seus servidores.

Assim o Dr. Rôxo também ganhou seu quinhão no Vale do Pindaíba. Ali, nos momentos de folga do trabalho na Fundação, estruturou e iniciou a construção de um pequeno sítio que era o seu paraíso. Cultivava o solo, conservava a natureza e sonhava com um mundo todo especial para criar os filhos e se ocupar depois de aposentado.

Puro engano. Os olhos cobiçosos de um chefe sem escrúpulos tentou comprar a sua terra já trabalhada, m vez de enfrentar o sertão e fazer como ele fizera. Juntou um bando de invasores e sob ameaças cruéis, o expulsou de suas terras. Rôxo não tinha forças políticas nem financeiras para enfrentar o poderio de um coronel.

Voltou para Niterói, lugar de onde viera.

     MAIS UMA CARTA

Entre tantas cartas, brochuras com diversos contos, todos com a assinatura Velho Rôxo, li várias pequenas observações nas margens dizendo: “não publique isto”. É compreensível porque em passado não muito distante apresentei uma pesquisa escolar com base em seus escritos e lhe mandei uma cópia, naturalmente. Como resposta recebi um pacote de contos e uma doce missiva.

Encerro este ENSAIO com palavras de uma carta do dia 15 de março de 1996. Referia-se ao livro “Redescobrindo o Brasil” que acabara de receber de Barra do Garças:

“…Estou com o livro fechado. Só admirando. (…) A capa linda, bem trabalhada, perfeito trabalho de arte.

Lendo o que escreveram: Sr. Florisvaldo Flores,” Considerações”; a seguir, “Prefácio” do Sr. Sebastião Carvalho de Souza; depois “Apresentação  – Histórias dentro da História” do Professor Aldair da Silveira Aires, só me resta, emocionado, dar um grito, grito de verdade, “Louvado Seja Deus – está tudo dito com perfeição e exatidão.

Que posso eu acrescentar? Se na vida só fiz cultivar batatas, Hipomeas, Solanaceas, Araceas., Discoreaceas. E, quando muito necessário, lá vinham as “batatas” linguísticas”

19 -5 – MANOEL ROXO DA MOTTA – TIO NENEO

5 – MANOEL ROXO DA MOTTA (25/02/1912 + 20/05/2000) casado com ENY ROCHA MALHEIROS(1920 + 1972)

Técnico Agrícola, formado pela Escola Superior de Agricultura de Viçosa-MG.

Encarregado do Departamento de Agronomia da mesma Escola. Trabalhou também no Dep. de Genética e Experimentação . Administrador das Fazendas Jequitibá e Venceslau Braz , da Penitenciária Agrícola de Neves  MG. Administrador da área de cultura de cana da Usina Paineiras  em Itapemirim  – Esp.Santo . Mobilizado pela Coordenação de Mobilização Econômica , Esforço de Guerra. Mandado para o Estado do Pará .

Com a criação da Expedição Roncador-Xingu  pela C.M.E. foi para Aragarças em Setembro de 1943 . Organizou Núcleos Agrícolas nas Bases da E.R.Xingú . Construiu o Campo de Aviação definitivo; Organizou a Colônia do Vale dos Sonhos . Introduziu a produção de hortaliças e legumes e iniciou a criação de porcos na Base de Aragarças .

Transferido para a Base de Xavantina da E.R.Xingu, chefiada pelo Coronel Flaviano de Matos Vanique , a quem substituiu em seus impedimentos. De volta a civilização, em Niterói trabalhou na EMATER , Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural .

Nasceu em São Geraldo-MG. a 25-02-1912. Falecido a 20/05/2000 aos 88 anos de idade.

Casado  a 12-06-1947 em Barra do Garças -MT.com Eny Rocha Malheiros, nascida em 1920 e falecida em 1972, filha de Demétrio Dias Malheiros e América Rocha . Formada em Filosofia e Sociologia trabalhou voluntariamente  como Assistente Social na Fundação Brasil -Central na Base de Aragarças . De volta a Niterói, trabalhou como Assistente Social no INPS e como professora de Filosofia e História no Liceu Nilo Peçanha .

Informações recolhidas em : https://joaoroxoedescendentes.wordpress.com/2010/10/15/titulo-vi-caetano-jose-de-oliveira-roxo/

pais de 4  filhos:

5.1 = MARCIA MALHEIROS ROXO DA MOTTA

Física, Professora da Universidade Federal Fluminense .

Nascida a 09-04-1948 em Niterói-RJ.

Casada com o Eng. Henrique Pimenta Velloso.

pais de 2 filhos:

5.1.1 VERÔNICA MOTTA PIMENTA VELLOSO

Diplomada em Ciências Internacionais e Economia.

Nascida em 1970. Reside em Curitiba.

5.1.2 HENRIQUE PIMENTA VELLOSO NETO

Engenheiro Civil. Nascido em 1972

Pai de:

5.1.2.1  FELIPE NACIFE MENDES VELLOSO

  1. 2 DORA MALHEIROS ROXO DA MOTTA

Psicóloga da APAE de Niterói. Nascida a 29-08-1949 em Xavantina-MT.

Casada com o Eng. Paulo Sérgio Decnop Coelho.

Pais de 2 filhos:

5.2.1 JULIANA MOTTA DECNOP COELHO

Diplomada em Design de Interiores e Desenhista Industrial. Nascida em 1977.

  1. 2.2 EDUARDO MOTTA DECNOP COELHO

Engenheiro Mecânico. Nascido em 1979.

  1. 3 TAUAIRÃ MALHEIROS ROXO DA MOTTA

Técnico em Contabilidade , trabalhou no Arsenal da Marinha Nascido a 29-08-1950 na Aldeia Indígena de Camaiurá , Xingu  MT. filho do índio Avaié Uararrú (tribo Camaiurá) e da índia Tanerí (tribo Suiá) Criado desde o 1º mês de vida por seus pais adotivos e por eles considerado como “filho do coração”.

Casado com Vera Lúcia Francisca Braga, Auxiliar de Enfermagem, pais de 2 filhos:

5.3.1 TAUAIRÃ BRAGA ROXO DA MOTTA

Técnico em Enfermagem. Nascido em 1978

5.3.2 AVAIÉ BRAGA ROXO DA MOTTA

Técnico em Informática. Nascido em 1979

Casado com Renata

Pais de:

5.3.2.1 = AVAIÉ FILHO

5.3.2 .2 ÁTALA

  1. 4 FERNANDO MALHEIROS ROXO DA MOTTA

Formado em Física , Trabalha como Geofísico na Petrobras. Reside em Salvador BA. Nascido a 19-10-1951 em Aragarças-GO.

Casado com Hellen Heringer.

pais de 2 filhos:

5.4.1 FELIPE HERINGER ROXO DA MOTTA

Estudante de Direito. Nascido em 1986

5.4. 2 VITOR HERINGER ROXO DA MOTTA

Estudante de 1º grau. Nascido em 1988

Dentro da sequência da data de nascimento, neste capítulo deveria entrar o papai, Luiz Roxo da Motta, mas optei em deixá-lo para o final porque a história irá continuar com o casamento e os filhos.

O Tio Neneo sempre foi, para mim, uma figura mítica, um herói mesmo! Presencialmente convivi pouco com ele, mas mantivemos correspondência por muitos anos, no final de sua vida.

Li “A Marcha para o Oeste” dos irmãos Villas Boas, várias vezes, e presenteei meus filhos com este livro para que soubessem um pouco da epopeia destes pioneiros, com o Tio Neneo e Tia Eny fazendo parte desta história.

Marquei todas as páginas onde eles são citados! Páginas 147, 160, 161, 167, 181, 182, 183, 190, 201, 202, 207, 259,278, 288, 318, 319, 320 (Edição de 1994)

Copiei uma citação sobre os índios, página 364 (não é do Tio Neneo) que achei muito interessante, e vou reproduzir aqui:

“Não devemos esquecer que cada maloca abriga um povo tão digno de susbsistir como qualquer um dos povos civilizados. Todos eles se debatem para não desaparecer, sustentando uma luta desigual com a morte. É um erro pensar que o índio é um indiferente ou fatalista. Como todas as criaturas, ele é um ser que vibra, que pensa no futuro e chora saudoso o passado pujante da sua nação, pois estas tribos que habitam hoje o Alto Xingu foram, há algumas dezenas de anos, poderosas nações. Cada tribo, ocupando enorme área, possuía diversas aldeias densamente povoadas.”

Mas, voltemos ao meu querido e admirado tio:

Lembro-me de que ele foi me visitar quando morávamos em Bicas. Os meninos e eu ficamos de “boca aberta” com as histórias que ele contava! E ele mexia, não sei como, o músculo do braço, o muque, e dizia que era um sapo que havia lá dentro!!

Vou publicar aqui algumas cartas que ele nos escreveu e guardei com todo carinho!

Papai contava que lá em São Geraldo, na fazenda Caeté, havia muito problema com o roubo dos mourões das cercas para serem utilizados como lenha para os fogões. Esta tarefa de buscar lenha era feita pelas mulheres, a vovó Maria adorava buscar lenha com as amigas, dizia que era uma diversão!

Para resolver o problema que sempre se repetia, o Tio Neneo, já rapazinho, ficou vigiando e, quando viu as mulheres nas cercas, correu em direção a elas totalmente nu! Foi uma correria sem fim da mulherada… durante um bom tempo elas não voltaram lá!

Quando passeávamos pela estrada (que hoje é uma rua com o nome do papai Luiz Roxo da Motta) ele mostrava as árvores enormes que ladeavam a entrada do Caeté e dizia que todas haviam sido plantadas pelo Tio Neneo!

As histórias escritas pelo Tio Neneo são tão interessantes que merecem um capítulo à parte e pretendo fazê-lo no final desta história da família.

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Atrás, tia Rachel

Tia Eni e Márcia
Tia Eni e Márcia

Dedicatória:Ao Diniz oferece o mano Neneo ( julho-1938)
Dedicatória:Ao Diniz oferece o mano Neneo ( julho-1938)

Ao Diniz oferece o mano Neneo ( 11/01/1935)
Ao Diniz oferece o mano Neneo ( 11/01/1935)

Tio Nenéo , com Márcia e Marcos e Carlinhos - Rio de Janeiro , 1977
Tio Nenéo , com Márcia e Marcos e Carlinhos – Rio de Janeiro , 1977

Neneo com Márcia, filha da Júlia do Tio Diniz, no colo. Ao lado, Marcos, filho da Júlia e Carlinhos, irmão da Júlia

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Tauairã nasceu na Aldeia Indígena de Camaiurá, Xingu, MT , filho do índio Avaié Uararrú (tribo Camaiurá) e da índia Taneri (tribo Suiá) . Criado desde o 1º mês de vida por seus pais adotivos e por eles considerado “filho do coração”.Faleceu prematuramente em Niterói, onde morava, em um acidente natural, quando de uma chuva muito forte fez deslocar uma rocha que atingiu o seu apartamento no Arsenal de Marinha, onde trabalhava e morava.

SOBRE TAUIAIRÃ MALHEIROS ROXO DA MOTTA

Tauairã foi criado pelo Tio Neneo como filho, tendo mesmo o sobrenome da família, mas é filho do índio Avaié Uararrú (camaiurá) e da índia Taneri (suiá) que, segundo o que eu sei,foi roubada de sua tribo.

A história de Tauairã, que até os quinze anos se chamava Atatari, tendo mudado de nome por força do costume de sua tribo, também é uma história que sempre nos encantou.

O seu pai era o cacique da tribo e já era muito velho e só tinha filhas mulheres que não poderiam ser caciques. A mãe dele morreu após o parto.  Segundo o costume da tribo, ele deveria ser enterrado junto com a mãe porque não iria sobreviver mesmo, não havia gado, que eles nem conheciam, então não havia leite. O pai levou o menino para o acampamento da Expedição Roncador Xingu e o entregou ao Tio Neneo e Tia Eny, com o compromisso de que, quando ele tivesse 15 anos fosse devolvido para a aldeia.

Depois de uns anos, Tio Neneo e Tia Eny mudaram-se para Niterói, mas cumpriram a promessa de mandar Tauairã para sua tribo. Ele não conseguiu se adaptar e voltou, mas, enquanto viveu, voltava lá todos os anos em suas férias.

Infelizmente Tauairã faleceu de forma trágica, quando houve chuvas intensas em Niterói, ele morava num imóvel da Marinha, onde trabalhava, e houve um desmoronamento sobre o prédio e ele foi atingido.

Os índios do Xingu fizeram um Quarup em homenagem a ele e a Dora nos mandou um relato emocionante que eu faço questão de registrar aqui.

O Quarup é um cerimônia tradicional dos índios do Xingu e é feito em homenagem aos mortos, com a presença da família dos mesmos.

Eu já li que, depois do Quarup, não se chora mais os mortos.

RELATO DO FERNANDO MALHEIROS ROXO DA MOTTA, FILHO DO TIO NENEO

Este texto foi escrito em relação a uma matéria publicada no O Globo, em comentário sobre uma Lei que está sendo discutida que versa sobre o infanticídio de recém- nascidos entre algumas tribos de  índios do Brasil.

A história guarda semelhanças.

Uma coisa que precisamos entender é que a moralidade indígena não tem nenhum compromisso com a nossa moralidade cristã.  Este ato de enterrar o neo nato com a mãe tem um sentido bem prático.   Papai um dia me contou que as índias amamentam(tavam) com um só seio.   Porque?   Algum costume religioso ou algo do gênero?   Não, elas simplesmente amarram(vam) a criança em um tecido ao redor do torso de tal forma que o seio esquerdo está sempre disponível.   Quando a criança quer/precisa ela só tem que mamar.  Desta forma a mão direita fica livre para as atividades diárias.   Simples e prático.

Por esta razão a índia não amamenta(tava) filhos de outras índias, não havia modo prático de amamentar outra criança e garantir a sobrevivência de ambas.  Ou seja, o ato de enterrar a criança com a mãe tem(tinha) um sentido prático, já que a acriança não tem(teria) como sobreviver enterra logo de uma vez.

Quando estive na tribo Kamayurá para o Kuarup do Atatari eles nos informaram que esta não é a prática atual.   Talvez aquela tribo do artigo ainda fosse uma tribo sem contato extensivo à época.

No caso do Atatari o fato foi um tanto diferente, o Avaié Uarahú, pai

dele, pajé e historiador, achava que estava muito velho e que não teria como ter outro filho homem.  Na época ele tinha uma irmã com cerca de 14 anos, se não me engano.  Nós chegamos a conhecê-la na tribo, bem velhinha e sem poder caminhar.   O próprio Avaié tomou o Atatari e fugiu com ele para o acampamento da fundação Brasil Central.  De lá eles foram levados para (a então) Xavantina.  Um índio que ajudou o Avaié a levar o Atatari para o acampamento da fundação nos contou a história.  Infelizmente não lembro o nome do índio.

De toda forma isto mostra que este costume não tem nenhum fundo religioso ou que tais, é simplesmente um sentido prático.  Como os índios são enterrados com os seus pertences, e a criança nesta fase é propriedade da mãe, ele é enterrado com ela.  Mas somente na fase que depende dela para se alimentar.

No acampamento, e mesmo em Xavantina, o Avaié cuidava do Atatari dissolvendo rapadura em água e espremendo um pano (imundo segundo mamãe) na boa do Atatari.  (Viram curandeiros de plantão, quase um leite materno.O pessoal da base de Xavantina pediu a um médico (Dr. Noel?  Dr. Vaía?) para examiná-lo, estava com uma bruta infecção intestinal e precisava de leite materno.   Eles procuraram mulheres recém-paridas para amamentar o Atatari, mas nenhuma queria amamentar “filho de cabôco”.   A única alma salvadora que conseguiram foi uma santa prostituta que aceitou amamentá-lo.   Enquanto isso eles pediram à mamãe para cuidar dele por enquanto, afinal ela ainda lidava com mamadeira e fraldas.  Márcia tinha 2 anos e Dora 1.  E assim foi feito.

Um ano depois, pouco depois de eu nascer, isso no final de 1951, papai e mamãe decidiram que mamãe e a filharada viriam para Niterói. O Avaié ficou sabendo.

No fim do ano, outubro/novembro, é a época de produção de pequi na região.  O pequi é extremante importante para eles, o óleo de pequi é usado para passar na pele para proteção contra mosquitos, é usado para substrato da tinta vermelha junto com o urucum, e mais uma infinidade de coisas, inclusive o fruto como alimento.  O Avaié avisou a papai e mamãe que ia no mato catar pequi e voltaria em breve.

Logo depois eles receberam um recado enviado pelo Avaié, que eles carregassem o Atatari e o devolvesse quando ele soubesse caçar e pescar.   Algo como dizer para devolver quando estivesse formado numa universidade.  Papai e mamãe contam a peregrinação deles pelo SPI, a FUNAI de então, para conseguir uma autorização especial para trazer o Atatari.

Os setênios são na verdade aproximados, mas não há nenhuma cerimônia (AFAIK) para mudança de nome.   Entre os Kamayurá o índio recebe um nome para a fase de infância, digamos uma fase de amamentação ou a fase de posse pela mãe. Este nome para o meu irmão era Atatari. Depois desta fase ele tem uma fase juvenil que vai até a puberdade, para o Atatari o nome seria Uruapitz (grafia minha). Para a fase adulta, como ele era o primeiro filho homem, ele deveria receber o nome do avô paterno, Tauairã.

O Atatari foi registrado e batizado Tauairã Malheiros Roxo da Motta, filho de Avaié Uarahú e Taneri.  Este nome, o de adulto, nunca pode ser usado em pilhérias e brincadeiras, somente os outros nomes.

Depois de morto não se fala mais o nome dele, nunca! E ele só deve ser chorado até o Kuarup, depois disto não se fala mais dele.

Quando ele estava por volta dos 17 ou 18 anos ele foi pela primeira vez à tribo, para conhecer o pai e a irmã. Daí por diante todo ano, durante as férias ele ia para a tribo, e todos pareciam gostar muito dele.

Quanto à integração na família, quando eu nasci o Atatari já estava na família.  Para mim não há família sem contar com ele.  Um bom irmão, um bom pai, um bom sacana, mas acima de tudo um homem bom

RELATO DA DORA – FILHA DO TIO NENEO – SOBRE O QUARUP DO ATATARI

Meus queridos,

Chegamos ontem à noite. Confesso que foi a melhor, maior e mais emocinante viagem de minha vida. Eu, meus irmãos (Márcia e Fernando), Avaié (filho do Atatari) e Henrique (filho da Márcia) convivemos durante uma semana em um intenso resgate de raízes. Fizemos tudo que nós nos propomos, mas tudo foi inesperadamente muito, mas muito mais do que imaginávamos.

No dia 28, partimos de avião para Goiânia. Lá alugamos um carro e nos dirigimos a Canarana. Apesar de 3 GPSs dentro do carro, conseguimos perder o rumo por 70 km em direção a Faina. Henrique dirigiu tanto na ida como na volta.

Apesar do cansaço de todos nós, o bom humor imperou todo o tempo. Voltamos a Goiás Velho para pegar o rumo correto. Aliás, não perdemos a direção, mas a indicada pela modernidade não era a melhor, já que teríamos de pegar 2 balsas e uns 200 km de estrada de chão.

Chegamos a Canarana quase 3 horas da madrugada. Pegamos um avião fretado às 9:00hs. Até a aldeia. A paisagem é indiscritível. Antes do Xingu, fazendas com áreas enormes desmatadas para a agricultura e criação de gado. Marcadamente, o início da área indígena vemos uma vegetação densa, preservada, cortadas por rios (ou rio) caudalosos e claros. Vemos várias aldeias pelo caminho. Foram 45 minutos de voo. Henrique da Marcia com muito medo, mas engraçado.

A nossa chegada na Aldeia dos Camaiurás foi com uma recepção bem acalorada por toda a Tribo e pelo cacique Kotoc. Ele nos indicou o Cuiaré para nos acompanhar. Ficaríamos na oca da irmã do Atatari, que tinha como “dono” o pajé Airé que é genro da Cariapó (irmã do Atatari).

Ela chorou muito quando conheceu o Avaié. Ele me surpreendeu com sua doçura, educação, paciência e afetividade. Ele recebia “visitas” de muitos índios, muitos se apresentado como primo, sobrinho, cunhado, sogro.

A noção de parentesco deles é bem diferente da nossa. Foi uma honra poder conviver com sua cultura, porque os visitantes ficam em uma oca diferente e separada. Tivemos uma aula de civilidade, respeito ao outro, respeito ao ambiente, respeito à família.

Uma das filhas do Airé, a Pará, foi nossa tradutora dentro da oca. A emoção correu solta entre nós. Depois do almoço, nos levaram, primeiro as mulheres (eu e Márcia) e depois os meninos para tomar um banho no meio da aldeia para purificar.

Várias etnias chegariam para o Quarup. Mais tarde, tivemos um espetáculo de desfiles, danças e lutas de huka-huka. As lutas parecem que imitam a luta de onças. Com sons fortes. A duração de cada uma não é longa e o objetivo é derrubar o adversário, mas o fato de um deles colocar a mão por trás do joelho já implica em sucesso. Eles levantam e se abraçam. para mim são os dois vencedores pela humildade e coragem.

Durante a sexta, sábado e domingo, dois indios, paramentados, tocam um flauta enorme, e dançam de forma cadenciada, acompanhados por umas moças que dançam com as mãos em um dos ombros. Elas são moças que estão reclusas por 2,6, 1 ano (a decisão é do pai). Eles dançam dentro da oca os que perderam seus entes (desta vez foram 6, incluído o Atatari).

Eles dão uma parada para descanso e as moças ficam viradas para a parede, até que eles se preparam para sair. Isto acontece durante todo o dia e o objetivo é para trazer alegria.

O por do sol é indiscritível como o céu depois que anoitece.

No dia seguinte, não poderíamos sair da oca até eles nos levarem com faixas dobradas no braço e Aavaié com um cocar, arco e flecha, brincos e braçadeiras para enfeitar o tronco. Um tótem que representaria o Atatari. Desabamos de emoção.

No sábado, primeiro eu e Márcia, depois os meninos, fomos levados para nos pintar. As mulheres pintam as pernas colocam um detalhe no rosto, pintam com urucum na área das sobrancelhas e pés. Os homens o corpo inteiro.

Fernando, Avaié e Henrique cortaram os cabelos em cuia. O primeiro a ser preparado foi o Fernando. Quando mandaram ele tirar a roupa o Henrique pensou: Danou-se. Muito engraçado. Mas fizeram tudo como manda o figurino. Um espetáculo.

Depois de pintados não poderíamos mais sair da oca até o Quarup que começou às 18h e foi até 4h da matina. O objetivo é chorar os mortos. Tem hora de chorar e hora de música para alegrar. Ficamos todos em torno do tronco. Eram 6 troncos. Lá, durante o dia é bem quente, mas diferente do quente daqui. Mas à noite a temperatura deve chegar a uns 9 graus. Um frio danado. Apesar das fogueirinhas e casacos e cobertores é bem danado. Mas a emoção fica à flor da pele.

No dia seguinte, acordamos com luta huka-huka com mais de 1000 índios presentes de várias etnias. Encontramos com o Jacalo que tem a mesma idade que eu. Mamãe cuidou dele quando bebê e depois, ele passou um mês em nossa casa enquanto sua mãe fazia tratamento de fogo selvagem.

Para desespero da mamãe, o Narro, pai dele trocou as mamadeiras dizendo que eu era filha dele. Falamos de situações de nossa infância. Ele depois disse que “as lembranças estavam vindo feito sonho” e me apresentou a sua família e amigos como sua irmã. Fiquei muito orgulhosa.

Na segunda, antes de voltarmos, o Henrique e Avaié levaram o tronco para o rio. Depois de colocar no fundo, Henrique veio para a margem e Avaié ficou um pouco lá com o pai se despedindo. Estou chorando agora emocionada.

O cacique, ao se despedir, disse que poderíamos voltar sempre que quisermos lá e levar nossos amigos. Eles gostaram muito de nós e o Avaié, específicamente, de participarmos de todos os rituais. Ficaram bem emocionados também.  Foi uma experiência muito intensa.

Meu irmão, Atatari disse que mexiam e roubavam. Não vimos nada disso. Houve um grande respeito. Tínhamos dinheiro inclusive e nada foi tocado. A organização dentro das ocas (fomos convidados a visitar outra) é enorme, a higiene também. Não há mau cheiro, mosca ou mosquito. Tudo muito limpo. Surpreendente. Eles são a civilização e nós os selvagens.

Depois disso, no caminho de volta passamos por Xavantina, hoje Nova Xavantina, onde moramos e eu nasci. Fomos muito bem acolhidos pelo substituto do prefeito, que estava viajando e, nos levou pessoalmente ao local do acampamento.

A nossa casa está preservada, e será tombada, como toda a região histórica.

Os atuais donos permitiram que entrássemos e eu vi o quarto em que nasci.

Márcia lembrou de detalhes da casa original.

Papai foi como técnico agrícola na expedição Roncador-Xingú depois da Segunda Guerra para colonizar o Brasil Central para impedir invasões estrangeiras. Ele foi o responsável pela instalação de 3 colônias agrícolas: Vale dos Sonhos (que tem este nome por um comentário dele ao sobrevoar a região), Pindaíba (hoje Indianópolis) e Xavantina. Estivemos no pomar que ele plantou e fez os primeiros contatos amigáveis com os Xavantes. Estivemos em outras casas em que moram amigos de meus pais que ainda vivem. Foram muitas histórias e emoções.

No dia seguinte fomos a Barra do Garças e Aragarças. Esta última, a cidade que meu irmão nasceu. Estivemos no hospital (em que Fernando nasceu) e no aeroporto que meu pai construiu a pista sem nenhuma orientação militar. Foi na intuição. Este aeroporto é conhecido mundialmente e atualmente usado para aviões de pequeno porte. Tivemos com pessoas amigas e outros causos foram contados.

Foi uma viagem muito rica em todos os sentidos, de resgate de história, de estreitamento no relacionamento familiar, de crescimento. Muitas coisas, principalmente engraçadas aconteceram. Hoje estou muito feliz e realizada.

Não poderia deixar de dividir com vcs um pouco do que vimos, vivemos e sentimos.

Um beijo a todos,

CONCURSO DE CONTOS VALE DO ARAGUAIA

Este Concurso foi realizado pelo jornal  A GAZETA DO VALE DO ARAGUAIA, e o resultado foi publicado na edição de 18 a 25 de jan. 94

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O conto vencedor foi “TAUAIRÔ de Sebastiana Ferreira de Souza

(transcrição do conto)

“Os rios Kuluene, Batovi e Ronuro são belíssimos pelas suas águas claras, cristalinas e pelo grande espetáculo criado pela própria natureza, que os encontrou num ponto da Serra do Roncador, formando um delata, no Planalto Matogrossense. Estão situadas desde remota era, em suas margens, diversas tribos indígenas.

Desde o homem mais simples até o mais culto bebem das fontes milagrosas dos três rios, para adquirir inspiração e produzir suas lendas, contos e os mais refinados poemas.

Da união dos três nasce o mais famoso rio do país, o Xingu, com bastante volume de águas e a capacidade de acolher número infinito de espécies incontáveis.

Entre tantos mistérios do Roncador Xingu, está o processo de divisão das tribos em aldeias menores quando a população cresce muito. Parece que é um processo de preservação do alimento em busca de outros espaços mais ricos para promover a sobrevivência.

Da riqueza dos mistérios que espicaçam a imaginação das populações criando explicações para toda a obra da criação divina com estórias verdadeiras ou ilusórias encontrei uma que me sensibilizou.

É a história vivida por habitantes do lugar em conjunto com expedicionários que chegaram à região misteriosa na época do desbravamento pela Expedição Roncador Xingu. É nessa época, década de 40, que acontece a triste história do pequeno Tauairã.

Tauairã é filho de Tanery, índia da aldeia Uilaítes e o pai é o índio Uararrú da aldeia Kumairás.

Tanery morreu ao Tauairã nascer e conforme o costume da tribo ele deveria ser sepultado junto ao corpo de sua mãe. Uararrú não suportou a idéia de ver seu filho sepultado vivo, pois era um garoto forte e saudável, sobretudo bonito, podendo ser um grande guerreiro no futuro.

Como em todo grande grupo pode existir contradição de idéias e opiniões nas tribos também existiam os do contra. Foi aí que o pai do recém-nascido não pertimitiu que se consumasse o ato tradicional. Carregou seu lindo bebê deitadinho no baquité e tentou cria-lo sozinho. Foi vã a sua tentativa. Teve que sair do seu meio e se sujeitar a vida diferente da habitual. Era impossível retornar com o filho, que já tinha quase dois meses, pois a desobediência era grave. O pequeno não seria bem recebido pela comunidade indígena.

Uararrú conheceu e se tornou grande amigo do piloto da Força Aérea Brasileira Gilberto, que acompanhava as frentes de serviços orientando os expedicionários como guia, na abertura das picadas da futura estrada Rio das Mortes- Xingu. Confidenciou ao amigo seu grande drama. Gilberto ofereceu-lhe uma sugestão, disse: “Tem no posto do Rio das Mortes uma família que pode ajudá-lo. É o casal Eni e Dr. Rôxo.”

Embarcou os dois no avião e voou para o acampamento.Uararrú vislumbrou a felicidade. Sentiu que seu filhote deixaria de ser um animalzinho desgarrado e rejeitado pelo bando.

O sol brilhava mais que o comum naquele céu tão azul que se confundia com o verde das matas. Cada olhar lacrimejante dirigido ao filhinho era a certeza de que finalmente ele teria um lar.

Chegados ao acampamento dirigiram-se diretamente à casa do Dr. Rôxo, agro pecuarista da expedição Roncador Xingu, encarregado de fundar e desenvolver as Colônias Agrícolas na região recém-conquistada.

O casal tinha duas filhas, Márcia e Dora. Tauairã passou a ser o terceiro filho da casa. Dona Eni não se conteve de tanta emoção. Aquele bebê encheria sua casa de alegrias e felicidades. As meninas encontraram nele o irmãozinho que não tinham. O indiozinho foi adotado pela família.

Uruarrú muito agradecido pela compreensão da família retornou às suas origens na certeza de que seu filho estava bem ali.

O amor e o carinho recebido de seus novos pais fez com que Tauairã logo recuperasse a energia perdida nos meses sem mãe. Tornou-se um garoto forte e muito inteligente, identificando-se com seus irmãos, agora três com a chegada do caçula Fernando…

Mas a família precisou retornar ao Rio de Janeiro, de mudança. E o pequeno Tauiairã?

Antes da viagem Dr. Rôxo levou-o a aldeia para ver seus pai Uararrú e decidir sobre seu destino. Todos na casa temiam uma possível separação daquele garoto. Rezavam de fé para que o pequeno retornasse com o papai Rôxo.

Após longa conversa os dois pais chegaram a uma conclusão. O garoto viria para o rio de janeiro com seus pais com a condição de. Ao completar 15 anos retornar à aldeia para ser iniciado nos rituais de adulto e então conviver como índio. Acordo pleno.

O garoto cresceu forte e belo sem notar diferenças junto aos irmãos loiros. Ao entrar para a escola começou o processo de observação dos colegas. Era a pele morena-jambo, os olhos muito negros, oblíquos e os cabelos escorridos e pretos. Tudo era diferença.

A partir daí ele começou mesmo a se sentir diferente! Interrogou a mãe. Quis saber o porque das diferenças. Parecia mais um oriental.

A mãe contou-lhe a verdade sobre sua origem. Justificou o silêncio porque o amava tanto que nunca sentiram necessidade dessa revelação, mesmo sabendo que um dia lelé saberia do grande compromisso com seu pai índio. Um dia deveria voltar às suas origens.

A família que tanto o amava não desejava que chegasse o dia da separação cruel. Não havia porque antecipar este sofrimento.

O garoto os queria tanto que não se abateu com os fatos. Compreendeu como se fosse um adulto. Continuou bom filho e excelente aluno, aumentando sua vontade de aprender cada vez mais. Não houve trauma nele nem em seus irmãos.

O tempo passou e a  vida transcorreu normal.. Tauairã completou 15 anos. Conforme o combinado entre os pais era chegado o tempo dele voltar para a aldeia. Estava para concluir o curso ginasial, o que não foi impedimento para que cumprisse o determinado.

Veio para a aldeia em companhia dos sertanistas da FUNAI, que trabalhavam na região. Foi uma viagem de grande expectativa pela presença do desconhecido.

Na aldeia Tauairã se identificou com seu povo sem reservas e sem dificuldades, mas não quis ficar. Fez a sua família entender que precisava concluir seus estudos e que fora criado para outra cultura com a qual se identificava melhor. Para voltar comprometeu-se com seu pai que todos os anos viria visitá-lo no período de férias.

Na realidade um dilema estabeleceu-se no íntimo do jovem. Ficar vivendo na aldeia e regredir de tudo o que aprendera em convivência social, na escola e com seus familiares, voltar ao primitivismo da caça e da pesca não o atraiam. Pensava nos valores deixados para trás. Eram os estudos, a vida social, o lazer e, principalmente a família, aquela que lhe dera a criação material e espiritual e com a qual aprendera os maiores valores da vida. Precisava voltar e retribuir a dedicação da mamãe Eni e do papai Rôxo.

Voltou. Formou-se e se empregou na Marinha – Força Naval Brasileira.

Atingiu a maioridade  e independência  financeira. Entre muitas jovens de sua convivência se apaixonou por uma moça loira e bela, de longos cabelos dourados. A paixão foi recíproca . Sem temer os preconceitos sociais casaram-se. A força do amor foi tão intensa que não deixou nenhuma barreira se interpor entre eles.

Deste casamento nasceram dois belos garotos. São criaturinhas encantadoras. Vivem naturalmente sem sentir diferenças nem discriminações.

Para os garotos é motivo de orgulho a descendência indígena.

Tauairã continua passando parte de suas férias na aldeia. Seu pai índio já não vive, mas lá estão outros familiares. Conforme foi combinado vem todos os anos, mas nunca trouxe a família. Não há recusa ou indisposição para esse contato porém tudo deve acontecer naturalmente, sem choques, sem pressões, e sem grandes expectativas.

Aproxima-se o tempo da aposentadoria de Tauairã. Doravante seu tempo será dedicado ao seu povo indígena. Trabalhará em prol da melhoria das condições de vida da sua aldeia.

É de se prever um choque emocional entre a família, porém nada de anormal acontecerá. Os planos de Tauairã incluem uma mudança de residência para Brasília onde a família possa viver normalmente enquanto ele estiver na aldeia cuidando dos interesses de seu povo que hoje vive uma situação de decadência cultural, moral e material. Sua presença e ajuda será de grande validade para o soerguimento da população xinguana, suas origens.

Conheci Tauairã em julho, quando passava no Xingu, na sua visita anual. Contou-nos a história de sua vida. Foi tamanha a emoção que senti que resolvi contar em “conto” esta história real.

Muito emocionada ainda fiquei ao ler uma carta de seu pai DR. Rôxo, datada de 22 de julho e que me dada a autorização para transcrever este trecho…

“todos os anos em suas férias do Arsenal de Marinha, onde trabalha, ele vai rever o seu pessoal. Embora tenha vivido até aos 17 anos com muito pouco contato com a suas origens, é educado, fez o curso técnico de contabilidade, trabalha na Marinha. É um excelente filhos. Conserva, todavia, todas as suas características  físicas e de comportamento. É um ótimo exemplo de como a genética influi nas pessoas. É fora de dúvida que o meio exerce enorme  influência no comportamento, mas não muda a genética…”

CARTAS DO TIO NENEO QUE GUARDEI

Confesso que elas me emocionam muito, é a imagem que guardei dele!

1965

1965-1

Niteroi, 7 de abril de 1965

Minha querida Regina e Ary

Com imensa alegria recebi a participação da chegada do primogênito. Você, Regina, marcou o seu segundo record em nossa família, foi a primeira da nova geração ase casar e a primeira que nos deu um neto. Que Deus em sua infinita bondade cubra você e o Ary de bênçãos pela alegria que nos trouxe – Para o meu sobrinho neto, de joelhos, peço a Deus todo um mundo de orientação em sua vida, firmeza, ajuste, compreensão, riqueza espiritual, riqueza material se possível, e Ele não lhe falte nunca a Fé.

Elezinho está vindo em uma época em que as conquistas materiais se aceleram em ritmo vertiginoso. Necessário se torna as vezes pararmos um pouco e  volvermos as vistas para algo imponderável Deus.

O cosmonauta russo em um de seus grandes feitos, disse não ter encontrado Deus lá no Cosmos. Que grande homem, que maravilha de inteligência e capacidade física. Todavia, que infeliz, pobre miserável que se acode em nada e se anula por falta de fé.

Emparelha-se a um sapo, tudo que admiramos nada vale diante do universo infinito, ou, o milagre da evolução e transformação de um casulo em borboleta.

Mas vocês não muito na conversa desse tio velho.

Transmita ao Vovô Lizote e a Vovó Laura o meu abraço e parabéns. Assim como aos seus irmãos e, agora, transformados em tios e tias.

A todos felicidades e o carinho do Tio velho Neneo.

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Carta para meu filho Marcelo, na época com 8 anos

Niteroi 30/12/1973

Meu caro Marcelo

Deus te abençoe

Cá está o seu cartão, agradecendo o meu que escrevi a vocês – Fiquei tão satisfeito que não resisti em espichar um pouco a conversa. Afinal se eu não posso ir ai fazer uma visita, pelo menos conversamos.

Já é um meio de comunicação. O que é bom, parentesco é também um pouco de convivência. Estamos com o 1973 já pelas pontas. Já enxergando o 1974 – Você que é novo tem todo um longo caminho a sua frente. Caminho esse que irá em um mundo novo maravilhoso. São homens indo a lua. São aparelhos já ultrapassando as zonas do universo conhecido.

Os computadores são máquinas admiráveis que ajudam o homem a raciocinar. A medicina está quase atingindo ao fantástico com os transplantes. Mas não podemos esquecer as coisas simples que Deus nos deu.

Você já observou um feijão germinando? Que coisa magnífica. Um conjunto de reações químicas e físicas acontecem do nascimento do pé de feijão a maturação. A energia acumulada nos grãos vão alimentar as pessoas prosseguindo uma série de reações – Voltando o cocô por sua vez a alimentar os pequeninos seres que são as bactérias transformadoras que fazem o cocô um adubo.

Quando você dá um chute em uma bola quanta coisa acontece. São as reações mecânicas, as alavancas de suas pernas, a ação e reação da bola impulsionada. Isso é física aplicada.

Procure uma lagarta, dessas que comem folhas de couve. Alimente-a com folhas de couve. Em poucos dias ela se transformará em uma crisálida, nada parecida com a lagarta. Por sua vez a crisálida em poucos dias se transformará em uma borboleta nada parecida com a crisálida. Já viu que coisa linda é a obra de Deus.

Até os sujos e viciados “Hipies” são instrumentos de adaptação a esse mundo em transformações rapidíssimas. A questão toda é aproveitarmos o “livre arbítrio” que Deus nos deu, para aproveitarmos o que há de bom na vida, principalmente se podemos fazer uma outra pessoa também feliz.

É o caso do seu cartãozinho que me fez feliz. Por isso, de coração, peço a Deus que abençoe a você, seus irmãos, com seus pais e avós.

Com todo carinho, desejo um Feliz 1974, de saúde, paz e prosperidade.

Com um abraço do Tio avô Neneo

Gostei do seu desenho, filho de peixe…o seu Papai Noel está esportivo, está ótimo.3/01/74

Carta para Regininha, minha filha

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Niteroi, 30-01-1986

Célia Regina

Minha neta querida

É isso ai! Da terceira geração pra cá, não faço por menos, sou avô.

Gostei muito de receber sua carta. A ena tinha dito que vocês estavam para mudar. Por isto eu fiz a assinatura da Revista da EPAMIG em seu nome, mas dei o endereço da casa do Lizote. Assim ele dá uma voltinha nela e passa para você.

Foi pena que a sua roça de milho tenha sido prejudicada pela lagarta. Há casos que sai mais barato gradear a roça e destruir as lagartas do que empregar defensivos.

Os defensivos são eficientes demais. E acabam destruindo os inimigos naturais. Há alguns anos atrás, quase que digo antigamente, tá bobo, (eu sou de anos atrás, mas não de antigamente) juntavam bandos enormes de melros e goderos nas roças recém plantadas. Mesmo arrancando alguns pés de milho, destruíam a lagarta.

Se não me engano “heliotera obsoleta”?

Mais tarde, raspavam algumas espigas, não para comer o milho, mas as lagartas. _ Mas hoje é difícil ver godero e melro.

Vou deixar passar a furrupa do carnaval e em seguida voltarei a Juiz de Fora.

Minha querida, para você sua mãe e irmãos todo o meu carinho, peço a Deus que os abençoe.

Vô Neneo

regi

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31 – agosto – 1992

Dra. Regina Célia de Oliveira

Minha querida sobrinha neta

Recebi o seu convite de formatura, já, bem uns três dias. Desde “antão garrei a maginá”: Deus tem sido muito bom para nós. De vez em quando nos surgem umas provas. Provas para testarem a nossa capacidade de viver.

Gostei muito do juramento de vocês. Muito mesmo.

Esta sua formatura em um Curso Superior, matéria que você sempre mostrou gostar. Mesmo a sua passagem pela técnica agrícola, foi um preâmbulo muito bom. Suas experiências servirão de base a esta nova fase. Posso afirmar foi bom.

Agora é hora de enfrentar a vida prática. Não sei qual é o grau de sua crença. Mas, esteja certa de que você tem grande amparo, que não só no plano material. Confia.

Ai vai o meu abraço, o meu carinho, para sua mãe, seus irmãos e para você.

Deus a abençoe e aos seus colegas.

Agradeço ter se lembrado do tio velho.

Deus abençoe

Vô Neneo

NOTA: IMAGINO QUE, LÁ ONDE ESTÁ, ELE DEVE ESTAR ORGULHOSO DA SOBRINHA-NETA QUE FOI ENVIADA PELA ONU AO QUÊNIA PARA ORIENTAR OS PESQUISADORES DE LÁ SOBRE A BRACHIÁRIA.

1991

Niterói, 19 – 9 – 91

Regina

Deus abençoe a todos vocês.

Foi bom você ter telefonado hoje pela manhã, satisfazendo a vontade do Lizote. Estou um tanto surdo, embora o ouvisse, não consegui entender o que ele dizia.

De saúde até não posso me queixar. A não ser dor nas pernas. O meu problema é esquecer as coisas principalmente nomes.

Peço a Deus que conserve em vocês a paciência e a tolerância com os velhos.

Deus os cubra de benção dando-lhes saúde e paz.

Com o carinho do Tio velho Neneo

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Cartão de Natal enviado para os meus pais em 1995

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LEMBRANÇAS DA GORETTI

Tio Neneo sempre foi o tio mais encantado para todos nós, não só para a Regina. Sempre ouvíamos as histórias sobre ele, as mais curiosas da família do meu pai. De início, em São Geraldo, pareciam ainda mais fantásticas, talvez por sermos pequenos e na cidade tudo era muito convencional, sem muitas emoções. Estas vinham então dos relatos dos feitos do Tio Neneo.
Quando mudamos para Juiz de Fora ouvíamos também os causos contados pela Tia Ena e por vezes a visita deste tio especial. Quando mudei para o Rio tive oportunidade de conviver mais com ele e ainda um pouco com a Tia Eny. Meus filhos também se deliciaram com as histórias que ele contava tão bem. O “sapo” no braço foi verdade por muitos anos para Beatriz e Gabriel. Quando ia a Niterói ele me recebia sempre com um abraço muito gostoso e dizia: estou vendo a Laura, você é sua mãe “cuspida e escarrada”!

AS COINCIDÊNCIAS DA VIDA

Em dezembro de 1990, a Daniela, minha filha, conheceu uma professora em um Congresso. Ao saber que ela era de Barra do Garças, a Daniela se referiu ao Tio Neneo. A professora Zélia dos Santos Diniz, que havia feito um livro sobre o Município de Aragarças ficou extremamente entusiasmada porque estava pensando em fazer um outro livro sobre os pioneiros da Expedição Roncador Xingu.

Zélia deu a ela o seu livro autografado e, o melhor ainda, o Tio Neneo esteve em Juiz de Fora e autografou também livro.

Deste encontro surgiu uma correspondência entre o Tio Neneo e a Professora Zélia, que resultou no Ensaio, publicado no próximo capítulo

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“Daniela Motta de Oliveira, colega de ofício, este nosso encontro não é casual, foi marcado por um homem que registrou sua página na história do Centro oeste, Manoel Rôxo.

Aqui vão algumas imagens do que foi o sertão bravio de até poucas décadas. Agora é uma cidade pequena mas adorável. Espero transmitir através deste livro algo de seu encantamento.

Com o abraço fraternal de

Zélia dos Santos Diniz

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Carta da autora do livro para o Tio Neneo

Prezado Rôxo, paz e amor

Sua carta me encantou. Sou professora aposentada  buscando os mistérios do passado para revelar o futuro, porém busco o passado que é mais próximo para o aproveitamento dos bons exemplos de nossos antepassados. Gostaria de conhecê-lo melhor, Sr. Rôxo, pois em um oi teria grandes lições de vida. Sou familiarizada com alguns de seus escritos através do amigo Valdon Varjão. Você sabe que documentalmente nada possuímos da Fundação Brasil Central pois seus arquivos foram destruídos pela SUDECO, creio que cerca de quatro toneladas de papel forma queimadas. É lamentável, mas é real.

No momento estou pesquisando a vida dos pioneiros da Fundação Brasil Central com a pretensão de publicar um livro biográfico romanceado. Agradeço qualquer subsídio que possa me oferecer.

Meu respeitoso abraço

Zélia

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Dedicatória do Tio Neneo

ALGUMAS FOTOS DE XAVANTINA E BARRA DO GARÇAS

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Neneo e Eny

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Atatari, quando criança, depois de 15 anos, obedecendo a tradição da tribo, passa a se chamar Tauiraiã

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Fazenda em Xavantina, que ele deu o nome de Caeté e que lhe foi tomada fraudulentamente.

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Barra do Garças

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Rio das Mortes, 1948

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No sertão

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A família

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Fazendo curativo em indio!

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Rio Kuluene, cobra de 2,50 m

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Acabei de ler o livro ARAGARÇAS PORTAL DA MARCHA PARA O OESTE de Valdon Varjão, que foi Senador pelo Estado de Mato Grosso, sócio efetivo do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO  DE MATO GROSSO, profundo estudioso da História do Centro-Oeste e da EXPEDIÇÃO RONCADOR XINGU. Neste livro, que recomendo a leitura para quem se interessa pela História de nosso país, ele cita o nosso Tio MANOEL ROXO DA MOTTA, denominado nessa região como Dr. Rôxo.

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Página do livro com o Dr. Rôxo

Neste livro ele publica algumas histórias do Tio Neneo.

Pretendo, se tiver vida suficiente, fazer uma publicação das Histórias dele, pelo menos das que tenho arquivadas. Mas, entre as histórias deste livro, há uma que me deixou tão admirada, que vou reproduzi-la aqui. Uma das razões para isto é que ele cita no seu conto uma Tia  – avó que não conheci –  TIA COCOTA. Tenho a certeza de que vocês vão gostar!

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Tia Cocota, Maria Luiza (1833 – 1939)  uma das “meninas” do Caeté de baixo, irmã de seu pai, Luiz Ferreira da Motta, de quem ele se lembra nesta história

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CADA ROCA COM SEU FUSO...

Manoel Roxo da Motta

Quando a Expedição Roncador – Xingu chegou ao rio Kuluene, aí estabeleceu uma base: depósito para abastecimento, abrigo para o pessoal, casa para o rádio e campo para os aviões.

Eu estava substituindo o Cel. Vanique, comandante da Expedição. Tinha de fazer frequentes viagens para combinar com os irmãos Villas Boas, chefiando a penetração, assuntos ligados ao abastecimento e à preparação para nova etapa de penetração.

Os índios kalapalos, cuicuros e nafuquás estavam sempre próximos à base. Estavam curiosos com o comportamento dos caraíbas, como eles nos chamavam, com o avião, o rádio; tudo era novidade.

Todos eles eram muito atenciosos, alegres, quase infantis. Espontâneos, comportavam-se com tanta naturalidade que esquecíamos de que eles estavam nus. Havia indivíduos extrovertidos, outros mais fechados, como em qualquer sociedade.

Fiquei conhecendo uma velhinha parecidíssima com minha tia, irmã do meu pai. Não me lembro do seu nome. Chamava-a de Tia Cocota. Todas as vezes que eu ia ao Kuluene, levava para ela rapadura e açúcar, que ela tanto gostava. Era bonito ver como Tia Cocota me recebia. Abraçava-me e chorava inicialmente. Depois ria e falava ininterruptamente. Eu só ficava sabendo o que ela dizia quando estava por perto o Narro, o Kulafe ou a Narruiro, que na ocasião já falavam um pouco de português. Certa vez, chegando ao Kuluene, não encontrei a Tia Cocota. Perguntei por ela, e fui informado de que havia morrido. Indagando, me disseram que ela adoecera e passava as noites gritando até que, para sossego dela e dos demais, deram-lhe uma cacetada na cabeça e ela morreu. Contavam isso como sendo o fato mais natural do mundo. Fiquei surpreso com esse modo de pensar. Se a pessoa está doente, sofrendo e incomodando os outros, se iria morrer mesmo, que mal haveria em dar-se uma “ajuda”?

FOTOS DA FAMÍLIA DISPONIBILIZADAS PELA DORA

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Primeiro encontro e Neneo e Eny, lá em Xavantina

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Esquerda: Tauairã, Márcia, Neneo, Dora, Fernando

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Avaié e Tauairã com Atatari

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Vera cercada dos filhos Avaié e Tauairã

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Dora, Neneo e Márcia

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Neneo, Eny, Dora e a filha Juliana

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Neneo e os netos:Eduardo e Juliana no topo do sofá, sentados: Tauairã, Filipe, Avaié, papai com Vitor no colo, Henrique e Verônica

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Juliana, neta da Dora (será que herdou do avô o gosto pela terra?)

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Eduardo, filho da Dora, e Cláudia, a esposa

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Paulo, Dora e Eduardo (filho)

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Vitor, filho do Fernando

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família Juliana (filha da Dora), Filipe e Joana

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Filipe e Joana; filhos do Avaié, bisnetos do Neneo

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Ellen, mulher do Fernando e Joana

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Fernando, filho do Tio Neneo (nem precisa dizer, parecidíssimos!)

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Henrique Neto e família (ele é filho da Márcia)

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Paulo, Dora e a nora Cláudia

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Tauairã e Vanessa

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Avaié e a esposa Débora

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Felipe, filho de Fernando e Ellen, cozinhando

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Juliana, filha da Dora